Ano novo, vida nova! Mais um início, chances de dias melhores. Para além da embriaguez de otimismo e esperança – vícios danados e deliciosos que não nos largam -, me pego a comemorar não o futuro, mas o passado recente: o fim do governo Bolsonaro. Uma sensação de alívio, mesmo momentânea, visto que não será nada fácil dar tratos à bola quando tantos ainda insistem na planura da Terra.
É nessa arena que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de mostrar o seu melhor jogo, colocando a frente ampla em campo, mesmo a contragosto de muitos dos seus.
Lula é bicho político, feroz ou manso dependendo das circunstâncias. Antes de subir a rampa pela terceira vez, tratou de assegurar recursos extras para bancar as promessas básicas de campanha, como Bolsa Família de R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança, salário mínimo acima da inflação, rearranjos para a Saúde e Educação, incluindo no orçamento os programas Farmácia Popular e Merenda Escolar, detonados por Bolsonaro. Para tal, driblou uns e outros e fez concessões a todos os lados.
Montou um governo com representantes de 9 partidos distribuídos em extravagantes e desnecessários 37 ministérios. Ninguém me convence sobre a essencialidade de um Ministério da Pesca ou de Agricultura Familiar, forma discriminatória de tratar o pequeno agricultor, maior responsável pela comida na mesa do brasileiro. O outro, da Agricultura, seria só para os grandões do agronegócio? Vai entender.
Ainda que não tenha pleno conforto, Lula negociou uma margem parlamentar maior do que muitos imaginavam. Desagradou a vários, incluindo gente do seu PT, chutou canelas, e, sem dúvida, sabe que terá de corrigir equívocos depois de o jogo começar. Parte das tarefas de qualquer técnico.
Os lances – alguns arriscados, como o de inclusão do União Brasil que já foi clube do adversário – permitiram a Lula as bases para um novo ciclo de presidencialismo de coalizão, que não pode ser confundido com frente ampla, conceito que catapultou sua vitória.
Uma frente ampla real pressupõe não só espaço na mega estrutura do clube de governo, mas querer, entender, aceitar e utilizar ideias e o jeito de jogar dos “companheiras e companheiros” agregados ao time.
Deveriam estrelar aí, por exemplo, táticas conhecidas de economistas escalados para a transição, parte majoritária deles mais afeita ao controle das contas públicas. Caberia também o recuo de setores da esquerda que insistem em reestatizar empresas como a Eletrobras ou reavivar a Telebrás, em plena era do 5G, e o Ceitec, uma espécie de “chipbras” criada em 2008 para produzir semicondutores que consumiu R$ 800 milhões sem nada entregar. Tudo memória do jurássico período de reserva de mercado, vivido nos estertores da ditadura.
Lula terá de fazer caber no governo vozes por vezes antagônicas mas de convivência necessária, único modo para não pisar nas minas que o bolsonarismo plantou em diversas áreas, muitas delas prontas para explodir. Não vai dar certo o simplismo de amaldiçoar o legado do governo anterior quando muitos aliados do ex já estão no time do novo presidente. Muito menos atribuir ao sainte erros e defeitos conhecidos, como a lida criminosa com a pandemia, o abandono da Saúde e da Educação, motivos determinantes para que o mandato dele não tenha sido renovado.
Há bombas em todas as partes, entre elas armadilhas ideológicas e de costumes. O Brasil que elegeu Lula o fez com pequena margem. Tem parcela significativa de pessoas que enxerga o presidente recém-empossado como “comunista” – seja lá o que isso signifique na terceira década do terceiro milênio -, como quem vai acabar com a propriedade privada e dividir as casas, transformando-as em multifamiliares. Há os que imaginam escolas públicas sem banheiros masculinos e femininos, com aulas de sexo explícito para crianças e estímulos à transsexualidade. Absurdos, sim. Mas difundidos como “verdades indiscutíveis” por uma rede criminosa de informações falsas.
Tem-se ainda de recuperar o valor e o significado do voto, da democracia e da Justiça, em especial do STF, cuja credibilidade Bolsonaro tentou destruir, com doses espantosas de sucesso.
Há muito a ser feito. E a chance de êxito será maior se Lula, a exemplo da campanha e da montagem do Ministério, deixar a frente ampla jogar. O Brasil precisa dela – neste e por vários anos.
A todos, um feliz 2023!
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 1º/1/2023.