Canseiras em restaurantes

Já lhe ocorreu que hoje em dia o lugar mais inconveniente para uma refeição pode ser em um restaurante?

Pois bem, acompanhe um irônico relado sobre situações de guerra vividos pelo combatente Fábio De Domenico, que aparentemente só a ele incomoda.

 

Logicamente a chamada acima não se refere aos estabelecimentos com estrelas Michelin nem aos tradicionais.

 

Me direciono a alguns no meu bairro que seguem a receita: Acreditam que todo mundo é trouxa e irão enrolar a cidade inteira com decoração fancy e pratos caros.

Se propõe a juntar 38 sócios mimados que não sabem fazer um ovo cozido, nem aquela receita de salsicha na água quente.

Passam 4 meses montando, 3 meses funcionando por conta dos amigos, que por caridade, aparecem para conhecer e mais 2 meses fechados até aparecer outro inquilino desavisado.

 

Também dedico aquelas redes que a maioria gosta, mas sem critério algum.

 

Note que de restaurante ruim eu entendo, tenho um palpite que já comi as piores feijoadas do planeta e também a melhor, que é disparado a da minha sogra.

No meu governo, um dia pretendo lançar o programa de alimentação “Cidadão Roubada”

 

Falando em canseiras, nada é mais chato que amigo que escolhe um petit gateau no fim do jantar. Esse bolinho com cheiro de bicarbonato de sódio e chocolate barato leva um ano para ficar pronto e você tem que ficar ali firme, naquela cadeirinha de pau, aguardando ainda ele esfriar para a criatura comer aquela gosminha.

 

Pedir uma água com gás depois da conta fechada e paga, merece uma foto desse cliente nos arquivos do estabelecimento com o aviso aos garçons- Fuja desse cara!

 

E aquele amigo que pede cerveja artesanal? Papai do céu me ajude.

Há alguns anos almoçando com minha mãe, ela falou: “Nossa Fábio! você está comendo tão rápido ultimamente, coma devagar.”

Eu disse, é desespero mãe. O restaurante me deixou assim.

Por conta do meu trabalho, eu almoço em 5 minutos. Afinal minha missão é comer e voar, não tenho saúde para bate papo em meio a barulho de louça.

Papo em mesa não é comigo, ou eu como, ou eu converso. Comer para mim requer concentração, quero extrair os sabores, as texturas e não menos que isso, saciar a fome, afinal tenho faro de perdigueiro.

Quando criança eu comia e dizia os ingredientes que minha mãe havia colocado na receita. Meu pai ficava doido com isso.

O movimento ao redor já me incomoda o suficiente, vento, sol, caixas de som ordinárias. Por quê diabos eu teria que comer olhando para alguém falando e exigindo minha atenção?

Minha sugestão é vamos comer, depois sentamos num local confortável para papear. Porque aqui está um horror.

Moro em uma região lotada de escritórios e na hora do almoço soltam a boiada (como dizia o ex-ministro) para o banho de sol.

Eles chegam a desafiar a metafisica em que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. Lotam os locais e passam o tempo todo tagarelando aos berros. Inclua nisso moças que gargalham alto na mesa.

Sempre me pergunto, o que teria sido tão engraçado a ponto de ela soltar essa gargalhada do Vincent Price?

Restaurante para mim é como hospital, tenho pavor, quero sair o quanto antes, e detalhe, mesmo quando sou convidado, penso igual e normalmente não aceito o convite.

Adoro cozinhar e mais ainda comer, mas o ambiente restaurante é o que mais me aborrece.

Quando recebo a mensagem “Save the Date” no meu zap, avisando que dia tal tem o aniversario do Ambrósinho na Pizzaria Don Cazzo, eu começo a sofrer desde aquele momento.

É de pensar em quebrar as pernas com um martelo só para não poder ir.

Penso no manobrista versão Euclides Pinheiro, andando em 2 rodas com meu carro, na espera, naquela mesa estilo locomotiva com 20 lugares e como seria boa a vida em Marte.

Eles preparam tudo cuidadosamente para você não ficar ali mais do que o necessário.

Juntando o conforto da cadeira, a mesa bamba, o ar condicionado sem noção, a qualidade das caixas de som, a escolha das músicas, o volume e equalização que eles utilizam, se eu pudesse, ao invés de talheres, eu comeria com um funil para adiantar minha saída.

Mas isso é gosto, respeito quem come arroz com pauzinhos. Viram só como estou de bem com a vida!

Sem contar as “cavadas de faltas” dos garçons. Retirando rápido e inocentemente seu chopp faltando 3 dedos para acabar.

Não precisa ser nenhum Oswald de Souza para notar que lhe surrupiaram metade, pois na tulipa vem 3 dedos de espuma e 6 dedos de chopp. Faça as contas.

Fui pesquisar de onde surgiram esses traquejos, e para minha surpresa, não vem da época dos romanos e sim do advento dos rodízios de carne.

Desde o maná, passando pela era da cocção, foi nesse ponto da ganancia humana que uma refeição virou um jogo de azar. Aliás, lanchonete de Aeroporto e rodizio de carne vivem em um planeta à parte, onde um pãozinho de queijo custa mais que uma refeição.

Recentemente pedi uma porção de fritas na lanchonete ao lado de casa R$ 34,10. Quase morri. Rapidamente me olhei no espelho para ver se eu tinha toda essa cara de trouxa. Conclui que sim.

O atendente disse: tem meia porção R$ 24,10.

Vontade de dizer. Fala pro dono que vou querer a outra metade da porção que custa R$ 10. Ai seria justo!

Já no rodizio o cardápio fica pregado na porta, lá onde deixei o carro.

Oferecemos aos nossos clientes o direto de exercitar o cérebro. Pode memorizar todos valores antes de entrar ou ter um AVC na hora da conta. Fique à vontade.

Nessa situação, se por descuido você aceitar uma “inocente” água de coco que chega à mesa antes de tudo, prepare-se para passar no BNDES.

Por favor, me corrija se eu estiver errado. Em um restaurante, qual é a primeira pergunta que lhe fazem (batucando com a caneta no bloquinho) e antes de você olhar o cardápio?

Opção 1: Vai beber o que?

Opção 2: Querem ir adiantando as bebidas?

Pô meu amigo, eu vim aqui para comer.

Como disse um chef famoso, o restaurante tem a função de restaurar, de lhe reestabelecer. Para beber eu iria em um camarote de carnaval ou na casa do Waltão.

É lógico, só escolho o que irei beber depois de escolher o prato, mas não posso ser assim tão, como diria “autentico”, afinal estamos em um ambiente para fingir e ser fingido.

Regra de ouro número 1: Se você não aceitar uma bebida alcoólica, o tiro no pé foi dado. Peça qualquer coisa, um Jurubeba, uma espremidinha, um bombeirinho…Do contrario, mesmo que você peça um javali inteiro, seu karma não será aliviado.

O garçom fica pior que mulher quando você não liga no dia seguinte.

E sabia que praga de garçom é pior que de ex?

Um amigo teve caxumba e outro conjuntivite. Coincidências ou não, os dois não aceitaram o drink naquele dia. Sugerem que foi praga mesmo.

A frustação e o desconforto continuam na entrega homeopática dos pratos e em porções visivelmente diferentes para quem não aceitou o drink. E assim vai até o pedido da conta. Uma sobremesa? Um cafezinho? Não obrigado, chega de punições.

Eu até aceitaria se você não tivesse passado o almoço todo com a mão na minha latinha de Coca, enchendo meu copo sem eu querer e interrompendo nosso papo a cada 3 minutos.

Meu maior sonho é sentar, escolher o prato, fazer o pedido, recebe-lo e só ver o atendente novamente na hora da conta. Uma vida serena e em paz.

Conheço uma rede australiana que é quase assim, mas por abandono mesmo.

O discurso é sempre o mesmo: meu nome é Wendel, sou o responsável por atende-los. Vou buscar o pãozinho de vocês.

Aí ele desaparece naquele salão enorme, escuro com lâmpadas amarelas de sala de interrogatório, tocando aquelas musiquinhas de teenager no mais alto volume.

Enquanto isso, eu fico encaixotado e invisível naqueles bancos 90 graus com espaldar de 2 metros. Aquilo é RPG forçado, não é um assento. Quem conseguir relaxar ali, dorme até na cama de pedra do José de Anchieta numa boa.

Como é impossível localizar o Wendel até por retrato falado, o cara devia ao menos deixar um sinalizador sobre a mesa para eu acender e alguém vir resgatar meu pedido.

Tem aquele que quer lembrar Paris, tem umas caricaturas ridículas na parede, decoração kitsch pesada e usam criado mudo como mesa. Lembra a mesinha que meu afilhado ganhou aos 3 anos. Quase como ajoelhado. Tudo para tentar dar um “ar de bistrô” parisiense e os pratos tem nome de gente. Acho que hoje vou comer o Wolf Maia.

O pedido leva quase 1 hora pra ficar pronto. Digo quase porque passa um pouco. Nem em sonho lembra a eficiência de um garçom francês ou um bistrô. Para mim já deu de babaquice, não volto nem amarrado.

Conheço também aquela famosa rede do nordeste que serve camarão e batatas palhas. Sim, já passei por isso também e mais de uma vez, acredite.

Hoje, após a pandemia, onde demos vida aos QR Codes, não sei se eles ainda mantem os cardápios, mas o tradicional que conheci, era um cardápio apócrifo, suponho que foi escrito por Jerônimo e Malaquias.

Pesava uns 4 quilos e mantinha aproximadamente 527 pratos. Me pareceu que no geral são sempre os mesmos, variando apenas a ordem dos ingredientes.

Você entra com fome e sai totalmente confuso. Parece o jogo dos 7 erros.

Minha sugestão: Não beba antes de escolher.

A lista dos camarões é extensa, você pode escolher com pernas, sem pernas, com um olho só, com rabo, só o rabo, com casca, cruzeirense, vascaíno, são paulino e por aí vai…

Verdade seja dita, esses caras são os mais consistentes. Todo prato leva batata palha e vem praticamente frio.

Deve ter alguém lá no fundo que fica pisando em sacos de batata. Nunca vi tanta batata palha no mundo! Quando pedi o cafezinho pensei: será que acompanha as batatinhas?

Para piorar o clima, têm sempre alguém murmurando e arranhando um violão de cordas de nylon com aquele susten interminável subindo uma nota na outra e amplificado por uma caixa PA. Provavelmente para disfarçar o crac-crac dos 200 clientes mascando as batatinhas.

É verdade, ainda tenho que pagar couvert por musicas que eu nunca, “em estado lúcido” ouviria. Aquelas que falam de barquinho, um luar, fazer nada, olhar você e mais violão.

Da ultima vez, na saída perguntei à mocinha: Que dia é a folga dele?

As quartas. Obrigado, agora me previno.

Já decidi, da próxima vez, vou no restaurante só para beber. Afinal a comida não é o foco. Não tenho dúvida e eu entendo, é mais negócio atacar umas latinhas na geladeira, empilhar umas garrafas de vinho chileno e repassar com 400% de margem, do que gastar tempo e saúde cozinhando para alimentar marmanjos.

Mas fazer o que? não tenho vocação para esses drinks que levam 10ml de álcool e o resto em açúcar, gelo e um guarda chuvinha decorativo.

Beber é coisa séria, como dizem, se for dirigir não beba, mas se for beber me chama.

Morando em um país tropical, a cada época surge uma nova peste da qual devemos nos proteger.

Lembro do aviso na tv para a prevenção do mosquito da dengue.

Atenção: Esvaziem as garrafas!

Chamei meus amigos e seguimos a orientação.

De qualquer forma, depois do WD40 e do Hipoglós, hoje considero o Ifood a melhor invenção do mundo.

Como puderam notar, conclui a duras penas que comida e bebida boa (sem aporrinhação) só em casa.

E com muita satisfação, deixo esses locais para quem aprecia a “arte” de ser servido.

Bon appétit.

Agosto de 2023

 

 

 

 

 

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8 Comentários para “Canseiras em restaurantes”

  1. O texto podia ser. DON MARTIN VAI AO RESTAURANTE… isso mesmo o do MAD magazine.. Kkjkkk

  2. Lendo o texto até o fim, concordo plenamente com a sua intro: combatente e me vejo roubartilhando a nomeação. Mas, rindo até 2100 pelo “será que o cafezinho vem acompanhado de batatas?”

  3. Maravilhoso,!!
    Situações que a gente passou a vida toda e nunca comentou
    Só peço redenção para as batatinhas ….. nunca são demais ….
    E o cardápio apócrifo de Malaquias ? Rindo muito !!
    Parabéns Fábio!!
    Abçs

  4. Mais uma boa leitura , esvaziem as garrafas foi boa hahaha.
    Continue escrevendo meu amigo .
    Abraços

  5. Querido Fábio, mais um texto brilhante e cheio de emoção. Você consegue nos transportar por experiências vividas e traumáticas em poucas linhas. Me emocionou porque há uma referência boa sobre mim neste texto, muito obrigado! O bar de casa estará sempre te esperando, desde que o senhor venha com aquelas pizzas maravilhosas. Abração

  6. Realmente, quando vi o título da crônica sabia que ía me deliciar com a leitura. Lógico que salvando as proporções, todos os itens abordados tem um fundo de verdade, exposto com a sempre veia humorística. Enfim… mais um texto super agradável de se ler e dar boas risadas. Parabéns Fábio! Certa estava minha mãe quando dizia que vc devia escrever um livro.

  7. Muito divertido como sempre!! Parabéns Fábio!! Vamos celebrar em um restaurante!!

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