— Alô – atendo o telefone.
— Salve, grande Matias.
A voz de Tonico. O que poderá querer depois de tantos anos sem uma única palavra?
— Preciso de você.
Só podia ser…
— O que você…
— Preciso que me indique aí uns livros para mim ler (ele fala assim), tipo curso rápido…
Aos 60 anos, resolveu ser exemplo para filhos e netos, que só querem saber de celular e televisão. Quer iniciar-se na leitura de bons livros e atraí-los para as letras. Não precisa muitos, diz; só uns quatro ou cinco. E ataca:
— Pode falar que eu vou anotando.
— Ei, não é assim – reajo. – Não sou uma biblioteca.
Para me safar, e afinal ajudar um avô, penso em… perfeito:
— Conhece o Machado de Assis?
— Nem o machado, nem o Assis. Quem é, um lenhador?
Se eu falar em Gay Talese, penso, vai achar que é um livro sobre sexo. Desisti.
— Olha, Tonico, tenho uma sugestão: vá a um sebo.
E, antes que me xingasse, expliquei que é uma loja de livros usados.
— É tudo baratinho, tem uma grande variedade, você pode escolher à vontade.
— E eu lá sei onde tem disso…
— Levanto alguns endereços pela internet e te passo.
Concordou, e deu o número do telefone.
Dois dias depois, ligou, todo animado.
— Comprei! Como é grosso, fiquei com um só e pronto.
Ora, então funcionou. Fiquei feliz.
— E como é o nome do livro?
Leu: tinha comprado o Ulysses, de James Joyce.
— É o nome de um tio meu que eu sempre gostei muito. Um livrão grande, bem baratinho.
Aproveitei.
Da minha parte, comprei o Ulysses traduzido pelo filólogo Antonio Houaiss na década de 60, mas não consegui ler mais do que a metade. Os críticos diziam que o texto era muito pesado. Mais recentemente, surgiu a tradução da professora Bernardina Pinheiro, tida como muito mais palatável. Comprei, reiniciei a leitura, e… não passei da metade.
Estão na minha estante de livros. De repente me veio uma coceguinha… fazer uma terceira tentativa de leitura. Se desta vez conseguir conclui-la, vou ficar devendo essa ao meu amigo Tonico.
Este texto foi originalmente publicado no blog Vivendo e Escrevendo, em 2/2023.