Cem dias depois do Apocalipse

      Também gostei dos cem dias. Não teve motociata paga com dinheiro público, não teve arminha, não teve ajuntamento de zumbis na portaria do Alvorada. Não teve bandos de seguranças vestidos de preto em volta de um sujeito com medo de levar facada nas tripas ou tiro de snipers nos miolos depois de ver muito filme de espionagem e violência na Netflix.

     Não teve ninguém zombando de mortos por asfixia na pandemia em lives cretinas e despudoradas nas noites de quinta-feira. Não teve distribuição a rodo de cachorro quente grátis para a tropa de seguidores com pagamento em cartão corporativo da presidência da república. Também não vi carregamentos de leite condensado desembarcando no Alvorada nem toneladas de carnes nobres acompanhadas de pílulas excitantes sendo servidas aos generais por seus nobres serviços à pátria. 

     Querem mais? Não teve nenhum ex-milico lotado no gabinete para levar mochilas de dinheiro vivo ao banco e pagar contas da famiglia imperial, mandar grana para uma ex-mulher comprar mansão e umas migalhas para a atual não fazer escândalo.  

     Não teve ninguém demonizando a China com babaquices do tipo que compara os chineses a diabinhos vermelhos querendo comer nossas criancinhas. Não teve baboseiras sobre a liberdade de não sei o quê ser mais importante que a própria vida. Não teve povo indígena massacrado pela fome e envenenado por mercúrio jogado nos rios por garimpeiros com incentivo presidencial. Não teve filhinho 01 de papai se empanturrando de vender chocolates numa lojinha de marca chique da zona sul carioca, só para inglês ver. 

     Mais? Não teve ninguém organizando expedição marítima ao Pólo Norte para provar que a Terra não é redonda como todos pensam, mas plana e que de lá não passa, se não cairíamos num abismo sideral. 

     Também não teve ninguém voltando das arábias cheio de presentes de ouro cravejados de diamantes, dados sabe-se lá por quê ou para quê. 

     O que teve foi alguém tentando arrumar a casa depois de quatro anos  de caos, abandono e sujeira por todos os cantos, da latrina até a sala de visitas.

     O que teve foi um ministro da Fazenda tentando recolocar no orçamento quase metade da população brasileira, descrita como pobre e/ou miserável e que, se redimida, levaria o país a um novo patamar de crescimento e justiça social. 

     O que teve foi o recomeço após o Apocalipse. O projeto de destruição e miserabilização foi derrotado nas urnas. Um projeto de esperança e renascimento assume seu lugar, num país destroçado por quatro anos de desgoverno neonazista e centenas de anos de exploração colonial e imperialista. 

     O que ainda não temos e haveremos de ter é um país independente e realmente soberano, dono do seu destino e esperto o suficiente para impor-se ante as duas grandes potências econômicas para sustentar seu crescimento com capital produtivo, seja de que lado vier e se for dos dois melhor ainda. 

     Produtivo, ambientalmente sustentável, politicamente viável, humanamente possível e justo. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado

11/4/2023

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