Tenho uma amiga venusiana que, ao contrário do meu amigo marciano, que é de esquerda progressista roxo e só quer o progresso em Marte, não acredita em nada. É 100% incrédula. Até mesmo sobre a existência do sistema solar ela tem dúvidas. Explico: ela acha que o Sol não é uma estrela, mas um planeta, e nós planetas somos satélites do planeta que chamamos Sol. O Sol ela acha também que é só um espelho da luz emitida por estrelas distantes e transmitida por ele aos seus satélites. Bacana, né?
Bom, mas aí falei pra ela do general do Ceará que disse outro dia que seu dever é proteger os manifestantes que se reúnem, pacífica e ordeiramente, ele diz, em frente ao seu quartel implorando por um golpe de estado que impeça, na marra e na baioneta, a posse do novo presidente eleito do Brasil.
– “Não acredito!”, exclamou ela, levando as mãos à cabeça para arrumar os cachos, que ficaram em pé. “Não é possível!”
– “Pois é”, falei. “É verdade. A mais pura verdade.”
– “E não vão fazer nada com ele? Vai ficar por isso mesmo?”
– “Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares”, respondi. “Não sei o que o Xandão vai fazer, mas tem que fazer alguma coisa!”
– “Xandão?!”
– “É… Xandããão! Não sabe quem é, não?”, falei, acentuando nos til para ficar bem claro.
– “É o xerife de vocês?”, ela perguntou, inocente.
– “É sim, na falta de quem de direito é ele, sim.”
– “Não acredito!”, disse ela. “Vocês não têm um presidente da República sentado lá no trono? Não é ele que manda? Por que não faz nada?”
– “Pois é! – respondi, de novo. “Mas ultimamente nem no trono ele senta mais. Nem dá as caras no Palácio do Planalto, sede do nosso governo”, expliquei. “Foi para baixo da cama no Palácio da Alvorada, residência oficial dos nossos presidentes.”
– “Embaixo da cama? Não acrediiiiito!”, ela respondeu.
– “É o que contam. Antes, costumava chorar no banheiro. Agora, chora embaixo da cama. E sabe qual foi o motivo da última choradeira?”
– “Não sei, conta!”, ela mandou, com o coração batendo forte.
– “Disse que esse negócio de esperar 60 dias para dar posse ao novo presidente é uma tortura. Tem que acabar com isso. A posse tem que ser no dia seguinte à eleição!”
= “Mas não é ele que sempre foi a favor da tortura? Não gosta mais? E se der posse no dia seguinte, como ficariam os manifestantes?”
– “Chupando o dedo”, respondi.
– “Não acredito!”
– “Eu também não”, respondi. “Acho que iam arrumar outro jeito de espernear.”
– “E qual seria?”, perguntou ela, muito interessada.
– “Chamar os extraterrestres”, falei.
– “O quêêêê?”, indagou, surpresa.
– “Tem um grupo que já tá mandando sinais de SOS para o espaço”, revelei.
– “Cooooonta!”, pediu ela.
– “Eles se reuniram na frente do QG do III Exército no centro histórico de Porto Alegre. Homens e mulheres enrolados na bandeira nacional, rodando pra lá e pra cá. Fizeram uma roda bem grande. Acho que era um ensaio da nova estratégia, já que o Exército não dá o golpe, né? Acenderam as lanternas dos celulares, botaram os aparelhos deitadinhos no alto da cabeça com o facho para cima, e aí ficavam segurando o celular com uma mão pra não cair e com a outra tapavam e destapavam o facho da lanterna, fazendo o SOS e dando adeus, sei lá.”
– “Não acreditooooooo!”, ela exclamou.
– “Pois acredite. Tem gente achando que botaram alguma coisa no chimarrão deles.”
– “Chimarrão?”
– “Não sabe o que é não? É uma erva que…”
– “Não precisa dizer mais naaaaada”, ela interrompeu. “Já entendi…”
– “Pois foi isso mesmo. Umas pediam: vem general, vem, vem nos ajudar, por favor! Outras não diziam nada, só ficavam tapando e destapando a luzinha do celular. Não acreditam mais nos generais. Agora chamam os discos voadores.”
– “Nunca vi uma coisa dessas em todo o espaço sideral”, – afirmou, incrédula.
– “Você não quer levar eles pra Vênus?”, perguntei, inocente.
– “Deus me livre”, disse ela. “Lá em Vênus já temos problema demais com os vendavais.”
– “É por isso mesmo”, respondi. “Só um vendaval pra levar esses doidos embora.”
(Como se sabe, em Vênus sopram ventos de 400 km/h, sob um calor de 400 graus Celsius, arrasando e torrando tudo que estiver pela frente. Muito pior que o inferno de Dante e o último verão europeu.)
Insisti, mostrei o vídeo da gauchada, ela riu sem parar e, no fim, já estrebuchando, pediu um tempo para pensar.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e espacial.
Novembro de 2022