O Brasil saiu das urnas dividido ao meio. A solenidade de diplomação de Lula e de Geraldo Alckmin era uma oportunidade para o novo presidente acenar para a pacificação nacional. O discurso escrito que tinha em suas mãos parecia ir nessa direção. Mas Lula resolveu ignorar a peça escrita por várias mãos e partiu do improviso. Sua oratória inflamada pode ter agradado ao seu eleitorado cativo, mas só serviu para perpetuar a polarização que vem fazendo da política brasileira um verdadeiro campo de guerra.
Foi como se a diplomação representasse a largada para um terceiro turno entre Lula e Bolsonaro, e Lula continuasse no palanque eleitoral. A liturgia do ato, tão fundamental em momentos em que é necessária a observância do ritual da institucionalidade, foi usada para realimentar o clima de confrontação que deu o tom da disputa presidencial. Como observou o jornalista Igor Gielow, a peça oratória de Lula ressuscitou o “nós contra eles” e a “herança maldita”. Talvez como vacina para não ver a aprovação de seu governo escorrer entre os dedos, quando o choque de realidade se impuser.
Diga-se de passagem, Lula não foi o único responsável pelo clima de confrontação retroalimentado na diplomação. O presidente do TSE também adotou um tom que contribuiu para recolocar o clima da eleição. Óbvio, o efeito disso é insuflar o outro lado, aumentando, assim, a possibilidade de hordas de desordeiros incendiar a pradaria, como os tumultos promovidos por bolsonaristas em Brasília na noite da mesma segunda-feira. A situação faz acender o sinal amarelo.
As palavras conciliação, união, pacificação estiveram absolutamente ausentes no discurso de Lula. Em vez disso o presidente diplomado associou o povo brasileiro aos seus eleitores, nivelando-se a Jair Bolsonaro, que confunde seus adeptos com o povo brasileiro. Dessa maneira, não temos um povo uno, com uma mesma comunhão de destino.
Autorreferente, afirmou que a democracia retornou com a sua eleição. Ora, foi a existência de uma democracia com instituições resilientes que possibilitou sua eleição, a despeito das incursões golpistas dos últimos tempos. Lula não é o marco temporal da democracia brasileira. Ela restabeleceu-se com a transição de 1985 e vivemos, desde então, o maior período da nossa história republicana sem quarteladas ou intervenções.
Fez mais: associou o capital financeiro a Bolsonaro, esquecendo-se das manifestações desse setor em defesa da democracia e da lisura das urnas. Estigmatiza, assim, um setor importante e nevrálgico do mercado, que já anda desconfiado quanto ao compromisso de Lula com a responsabilidade fiscal. Basta ver a queda da Bolsa de Valores na esteira da indicação de Aloizio Mercadante para o BNDES. Fato que contraria a lei das estatais e obriga Lula a fazer incursões para que a lei seja alterada.
Onde Lula quer chegar com sua pregação imoderada? O sucesso de seu governo depende na razão direta de sua capacidade de reunificar o país e exercer um governo pautado na moderação, sem pregações ideológicas inúteis e voltado para a solução dos reais problemas do país.
O fato de receber um governo desordenado em várias áreas, fruto de uma gestão caótica, só o obriga a capitanear um amplo governo de união nacional, o que pressupõe deixar para trás posturas hegemonista, marca do PT, em governos passados.
Nesse sentido, causou estranheza a ausência de Simone Tebet no ato da diplomação. Justamente Simone, a quem Lula reconheceu como fundamental para sua vitória no segundo turno. Até segunda ordem, parece que algo incomodou profundamente a senadora que teve quatro milhões e meio de votos na disputa presidencial.
Esse é o nó da questão. O presidente eleito não se pode dar ao luxo de perder aliados na montagem do seu governo. Seu adversário sai do poder com uma aprovação maior do que a rejeição. A correlação de forças é ligeiramente favorável a Lula e pode ser revertida a qualquer barbeiragem que cometa.
A hora é do exercício da moderação na política. E já passou da hora de Lula descer do palanque.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 14/12/2022.