Na noite deste domingo o Brasil vai saber se já tem ou não um novo presidente da República eleito; se a peleja termina hoje ou daqui a quatro semanas. Com Luiz Inácio Lula da Silva se mantendo em média 10 pontos à frente do presidente Jair Bolsonaro desde o início da disputa, o país assistiu a uma campanha polarizada (não raro bipolar), agressiva, recheada de mentiras, notícias falsas, xingamentos e ameaças à democracia, mas sem oscilações importantes na preferência do eleitorado. A única novidade foi a senadora Simone Tebet – vitoriosa, mesmo sem chances de disputar a final.
Lula e Bolsonaro nunca esconderam que preferiam ter um ao outro como adversários. Queriam uma disputa emocional, embora feita com o fígado no lugar do coração, que dispensasse as chatices de programas de governo e compromissos. Conseguiram.
Donos de egos maiores do que suas virtudes, os candidatos que pretendiam ocupar a chamada terceira via foram tombando pelo caminho. Por desistência – lembram-se de Luciano Huck? -, e em disputas fratricidas como as travadas entre os ex-governadores João Doria e Eduardo Leite, que praticamente inviabilizaram a construção de uma alternativa fora dos polos.
Derrotado por Doria nas prévias tucanas, Leite deixou o governo do Rio Grande do Sul para se aventurar na disputa presidencial por outro partido. A tempo, tomou um choque de realidade, voltou atrás e entra neste domingo como líder para retomar a cadeira no Palácio Piratini.
Mas a série de movimentos erráticos dos centristas cobrou seu preço, expondo a ausência de líderes capazes de aglutinar um campo que, até maio deste ano, era amplamente majoritário.
Ciro Gomes até tentou ocupar o espaço, mas sua inteligência ágil acabou engolida pela marquetagem irresponsável de João Santana, que já aprontara com Marina Silva para alavancar Dilma Rousseff, em 2014. Vitorioso lá, Santana foi um desastre agora. Independentemente do percentual de votos que alcance, Ciro sai da disputa muito menor do que entrou. Uma pena para um país que não poderia prescindir de políticos com a competência e determinação do cearense.
Soraya Thronicke, escolhida às pressas para o lugar do candidato desistente Luciano Bivar, do União Brasil, cumpriu direitinho o seu papel, mas sem qualquer capacidade de conquistar corações, muito menos votos. Durante toda a campanha, repetiu o mantra do imposto único, sistema cruel que tributa igualmente ricos, muito ricos e pobres. Ex-bolsonarista e boa frasista, teve seus momentos de glória nos debates, rugindo igualmente para os dois primeiros colocados. Felipe D’Ávila fez feio: não decolou e jogou o Novo no colo de Bolsonaro.
Com dificuldades imensas dentro do MDB, que, historicamente, prefere não participar do jogo ou escalar quem não o importunar quando, após o apito final, for comemorar com o vencedor, Simone Tebet foi angariando simpatias, juntando peças aqui e ali, abrindo espaços. Não alcançou o Nordeste, região na qual a maior parte do seu partido se aliou a Lula, e teve problemas no Sul, embicado pró-Bolsonaro, mas recolheu os cacos do PSDB no Sudeste e deu assento ao Cidadania, este último, parceiro de primeira hora.
Cercada pela nata do pensamento liberal-progressista, Simone exibiu um programa de governo denso e consequente, e uma postura pessoal que o tornava crível. Venceu todos os debates, na avaliação dos espectadores, com sua fala tranquila, equilibrada e ao mesmo tempo assertiva.
Se os simpatizantes do dito centro democrático tiverem algum juízo – algo que nos últimos tempos demonstraram não ter – já possuem as propostas e a liderança de Simone engatilhadas. Podem iniciar hoje mesmo a construção de uma candidatura sólida, capaz de evitar, daqui a quatro anos, a repetição do voto no menos pior.
Simone Tebet é a boa nova desta eleição. Pouco importa se chegará em quarto ou terceiro lugar. Está pronta para 2026.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 2/10/2022.
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