Riocentro às avessas

Quiseram repetir o Riocentro e se deram mal. Em 30 de abril de 1981 a bomba explodiu no colo de um dos dois militares à paisana que estavam dentro de um Puma estacionado em frente ao centro de convenções no Rio de Janeiro. O que estava manuseando a bomba morreu despedaçado na hora e o outro, que estava na direção, foi levado em estado gravíssimo para o hospital.

Os dois acabaram condecorados por bravura pelo Exército, que criou uma versão mirabolante para o fato, convertendo-os em vítimas de um grupo de esquerda que por ali passava como quem não quer nada, viu um Puma dando sopa e jogou a bomba dentro dele. Detalhe: os vidros do carro estavam totalmente fechados no momento da explosão, como comprovou a perícia.

A diferença desta vez é que a bomba colocada no caminhão de querosene de aviação que se dirigia ao aeroporto de Brasília não explodiu. Mas há outra diferença, tão importante quanto esta ou mais. Em 1981, o atentado chocou o então presidente militar João Batista Figueiredo, que foi para a televisão vertendo azeite fervente pelos olhos. “Eu prendo e arrebento”, gritava, referindo-se aos setores radicais das Forças Armadas que eram contra a abertura política que ele e Geisel, seu antecessor, juntamente com o general Golbery do Couto e Silva, burilaram nos mínimos detalhes durante a década anterior.

Figueiredo tomou o atentado como um ato frontal contra sua autoridade. Ele conseguiu reverter a situação e os atentados contra bancas de jornais, que tinham virado moda, pararam. Também desistiram de enviar cartas-bomba, como a que matou a secretária da OAB, Lyda Monteiro da Silva, em agosto de 1980.

Ninguém foi arrebentado e preso, como prometia Figueiredo.

Mas, de abril de 1981 para dezembro de 2022, quanta diferença!

Um vociferando indignado e o outro mudo como defunto.

Perdoem a comparação os que velam seus mortos; perdoem-me as 48 mil crianças e adolescentes que ficaram órfãs de suas mães durante a pandemia no Brasil; perdoem-me as famílias das quase 700 mil vítimas fatais do coronavirus que nem puderam ver o rosto de seus entes queridos. Quase metade dessas mortes teria sido evitada não fosse o descaso do presidente da República e seus atos e vitupérios contra vacinas, máscaras, afastamento social e outros cuidados indispensáveis para se evitar a contaminação em massa.

O presidente que sai é um morto-vivo que só menciono porque traz atrás de si inacreditáveis 58 milhões de eleitores que se espelham nele e o têm como salvador da pátria, o santo que redime o país com seu intestino esfaqueado, o chefe de família exemplar cujas esposas e filhos respondem por acusações de improbidade e peculato, que logo mais o alcançarão e tanto o apavoram.

Infelizmente, ainda vamos ouvir falar dele. Rogo que o novo governo faça por merecer que os 58 milhões de seguidores dele o esqueçam. Não será fácil, dado o nível de imbecilização a que chegamos, mas dou de colher de sopa que mesmo entre os politicamente idiotas existem boas almas. Podem não ser a maioria, mas o número não deve ser insignificante.

Que o novo governo seja isso, simplesmente: um governo. Responsável, organizado e voltado para a redução das desigualdades, a nossa maior chaga desde os tempos da Colônia e que as elites dominantes cultivaram até hoje para com isso pagar baixos salários, os mais baixos entre os países com alguma importância na América Latina.

Nelson Merlin é jornalista aposentado. 

Dezembro de 2022

3 Comentários para “Riocentro às avessas”

  1. Nelson Merlin, sua indignação é também a minha, sem guardar qualquer proporção.
    Mesmo depois da “fakeada”, numa sessão espírita cheguei a vê-lo com a chance de ver esse cidadão um governante magnânimo, capaz de fazer valer a vez daqueles eleitores que, de alguma forma, nunca se sentiram partícipes do poder.
    Quá! esse ser humano expulso das próprias fileiras militares seguiu a caminhada cúmplice de si mesmo e de suas consequências – parafraseando Ortega Y Gasset.
    O Brasil não tem políticos perfeitos, eis a realidade. Mas tem aqueles capazes de revelar, mesmo involuntariamente, o mundo terreno onde vivemos. O Planeta Terra, só ele, é o único lugar a purgarmos nossos defeitos. É purgatório, mas também pode ser inferno e céu.
    Diante de milhões de brasileiros pouco dispostos a estudar ou reestudar a História, o melhor a lhes dar de presente é um governo iluminado, com integrantes da lamparina ao holofote, e a quem podemos desejar: governe em paz.
    Fraterno abraço a você e a todos deste inteligente blog com o qual não conversava há algum tempo. Saúde, Paz e Prosperidade a nós todos.

  2. Montezuma, quanto tempo! Cuidado com as sessões espíritas… Tambem lá tem fake news. Há muitos espíritos zombeteiros que nos induzem a erro para se divertirem com a nossa credulidade. Feliz ano novo.

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