A Câmara dos Deputados deve referendar nesta semana a bilionária PEC eleitoral aprovada a toque de caixa pelo Senado, com o apoio irrestrito da oposição, que parece não medir esforços para melhorar as chances de reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Brincam com fogo ao ressuscitar quem sempre fez pouco caso da miséria e há meses ameaça incendiar o país em caso de derrota nas urnas.
Colcha de retalhos que inclui aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, reforço no vale-gás, bolsa-caminhoneiro de R$ 1 mil ao mês e bolsa-taxista de R$ 200, subsídio para transporte urbano de idosos, compensação tributária para o etanol e R$ 500 milhões adicionais para o programa Alimenta Brasil, a PEC é o suprassumo do improviso. Além de estourar as já arrombadas contas públicas e comprometer o futuro com inflação pré-contratada, ela vem costurada com a flagrante inconstitucionalidade de um falso estado de emergência. Isso poucos dias depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, exaltar o fato de o país ter reagido “fulminantemente à crise”, garantindo que estamos “no caminho da prosperidade”.
Guedes, que ninguém com algum juízo leva a sério, tem lá os seus motivos para mentir à plateia, visto que há tempos permutou o que dizia ser convicções liberais pela reeleição do chefe, mesmo que isso quebre o Brasil de vez. Já a desculpa das excelências com assento no Senado é fragilíssima. Apoiar a decretação de estado de emergência sem qualquer lastro, a não ser a emergência eleitoral de Bolsonaro, e fazê-lo em nome dos pobres e desvalidos, é um acinte à lei e à moral.
À exceção do senador José Serra (PSDB-SP), único que se negou a participar da farsa, oposicionistas de todos os partidos até verbalizaram resistência, mas aprovaram a PEC, justificando que não teriam como explicar um voto contrário a benefícios para os pobres.
Difícil imaginar que políticos experientes e descolados tenham sido vítimas de uma armadilha tão singela.
Mais provável – e a votação na Câmara poderá ou não confirmar a tese -, é que todos queiram surfar no lucro eleitoral da PEC. Nos palanques regionais, candidatos de oposição ao governo vão tentar transformar a covardia em coragem. Dirão que, mesmo cientes de que a PEC beneficiaria Bolsonaro, eles se arriscaram em nome dos mais pobres. No caso dos apoiadores de Lula, outras contas também entram no jogo. Imaginam que no futuro possam precisar de uma emergenciazinha ilegal, e nada mais cômodo do que ter um precedente à mão.
Espúrio ou não, nesta altura pouco importa qual raciocínio orientou o voto oposicionista. Mas, por todos os lados, o resultado é nefasto.
Bolsonaro, que até a quinta-feira da semana passada agarrava-se nas cordas, voltou ao centro do ringue calçando luvas novas. Se estava acuado pelo assassinato brutal de Bruno e Dom, pela prisão de seu ex-ministro Milton Ribeiro e dos pastores que protagonizaram a farra no Ministério da Educação, e pela acusação de assédio ao amigão presidente da Caixa, o macho Pedro Guimarães, tudo virou passado.
Nem mesmo as pesquisas que continuam a mostrar o ex-Lula à frente e com possibilidades de liquidar a fatura já no primeiro turno parecem apoquentar o presidente, que já incluiu as bondades nas falas palanqueiras. Safo, agradece ao Senado pela aprovação e, em seguida, confere a si a paternidade dos benefícios, levando a audiência ao delírio quando anuncia o novo valor do Auxílio Brasil e do vale-gás.
Para os beneficiários, a dádiva de hoje rapidamente vai virar pó, sendo engolida pela inflação. Tem curta duração – termina em dezembro – e nenhum critério ou lógica que não seja meramente eleitoral. Como explicar a discriminação de motoristas de aplicativos, excluídos entre os autônomos? Ou o custeio de transporte urbano se limitar a idosos – já bancados pelas prefeituras de muitas cidades -, deixando de fora ambulantes, desempregados e outros milhares de trabalhadores informais?
A distribuição do dinheiro do Auxílio Brasil, por exemplo, é linear, sem levar em consideração o número de integrantes das famílias credenciadas e o grau de pobreza. Trata pobres, muito pobres e miseráveis com a mesma régua. Pior: como foi feito às pressas e desprezando cadastros existentes, o programa está mais sujeito a fraudes. Durante a vigência do também improvisado auxílio emergencial, criado na pandemia, mais de R$ 800 milhões foram parar nas contas de quase 2 milhões de falsos necessitados.
A oposição no Senado sabia de tudo isso. A da Câmara também sabe. Ainda assim, nesta semana a PEC eleitoral vai a voto, mais uma vez atropelando todos os trâmites legislativos. E será aprovada. Bolsonaro agradece. Mas nem de longe pretende arrefecer o ânimo golpista. À Firjan, seu candidato a vice, o general Braga Netto, deu a senha: “sem auditoria não haverá eleição”. Ou seja: se a emergência eleitoral falhar, a intenção de Bolsonaro continuará sendo a de botar fogo no país.
O Brasil vai precisar de uma oposição mais corajosa.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/7/2022.
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