A Educação é, por sua própria natureza, espaço de socialização, convivência e disseminação de valores humanistas. É impossível a escola cumprir seu papel de formar cidadãos e preparar crianças e jovens para um mundo cada vez mais complexo e instável em um ambiente de cerceamento da liberdade de expressão e de cátedra.
Não pode e nem deve haver temas tabus para a Educação, até porque isto contraria o artigo 206 da Constituição, que assegura a plena liberdade de ensinar e de aprender.
Caberia ao ministro da Educação ser o maior defensor de tais valores para assegurar aos estudantes uma formação adequada e prepará-los para a vida. O ministro Milton Ribeiro, contudo, tem ido na direção oposta, estimulando o preconceito, disseminando o ódio, colocando-se numa cruzada religiosa. Sob seu comando, a pasta virou uma espécie de Ministério dos Absurdos, que deseduca.
Desde a sua assunção ao cargo, instalou um clima de caça às bruxas e deu declarações violadoras dos direitos dos estudantes e professores. Na sua mais recente manifestação nefasta, reafirmou uma visão obscurantista em relação à educação sexual e ao debate sobre as questões de gênero: “Não vamos permitir que a educação brasileira vá por um caminho de tentar ensinar coisa errada às crianças. Não tem esse negócio de ensinar ‘você nasceu homem, pode ser mulher’”.
Para além de homofóbica, é uma visão deturpada do real significado e objetivo da Educação. Não se baseia em evidências científicas, mas sim em seu credo religioso. Milton Ribeiro tem todo direito de cultivar tais valores, mas não pode transferi-los para a Educação, até porque isso contraria o caráter laico do Estado, cláusula pétrea de nossa Constituição.
Sobre o tema, há uma larga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reafirmando como dever do Estado a abordagem de questões de gênero e de sexualidade nas escolas. Por quatro vezes a Corte se pronunciou nessa direção, ao decidir como inconstitucional algumas leis municipais que proibiam a abordagem desses temas nas escolas. Em um desses processos, o parecer do relator ministro Luiz Fux, atual presidente do STF, foi de uma clareza meridiana: “A proibição genérica de determinado conteúdo, supostamente doutrinador ou proselitista, desvaloriza o professor, gera perseguições no ambiente escolar, compromete o pluralismo de idéias, esfria o debate democrático e prestigia perspectivas hegemônicas por vezes sectárias”.
Segundo seu voto, são os profissionais da Educação os mais capacitados para tratar dessas questões.
Responsabilizar o Estado para ofertar a educação sexual e discutir as questões de gênero se justifica quando se levam em conta estatísticas sociais insofismáveis. No Brasil, em 2019, quase 400.000 bebês nascidos vivos eram filhos de jovens com até 20 anos de idade, sendo 20.000 filhos de meninas adolescentes de menos de 14 anos. Não bastasse essa mazela tão grave, um número imenso dos adolescentes adquire doenças sexuais transmissíveis – como sífilis e HPV, para o qual já existe a vacina – por desinformação e o não uso de preservativos. Tão ou mais estarrecedor, pesquisas mostram percentuais muito altos de jovens de 13 a 21 anos que são agredidos no ambiente escolar por causa de sua orientação sexual.
São enormes os prejuízos, para as pessoas e a sociedade, provocados pela gravidez precoce, assim como pelo abuso infantil, disseminação da homofobia (crime imprescritível e inafiançável), violência doméstica, frustração e infelicidade juvenis.
Todos eles podem ser evitados se as escolas cumprirem seu papel de espaço de convivência, no qual os estudantes são acolhidos em ambiente de confiança e liberdade, em que possam ser abordados temas tão complexos do universo juvenil.
A informação é a principal forma de prevenção. Ela dá subsídios para a conscientização de meninos e meninas sobre como e por que devem se cuidar. Também ajuda a acabar com preconceitos.
Abordar questões que envolvem a vida sexual das pessoas não significa incentivar os estudantes a manter relações sexuais. A vida sexual do jovem existirá independentemente disso. Mas a escola, um espaço de segurança onde eles passam boa parte dos seus dias, é um dos locais mais adequados para que reflitam, e se fortaleçam, sobre temas relevantes que surgem em suas vidas.
Talvez assim não ocorram mais mortes como as do policial e ativista trans Paulo Vaz, mais conhecido como Popó Vaz, cujas últimas publicações no Instagram mencionavam saúde mental. Sua morte provocou uma grande comoção e manifestações como a da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra): “Infelizmente perdemos mais um de nós que não suportou continuar em uma sociedade tão violenta e desumana”.
Em última instância, está em jogo o direito à felicidade de nossos jovens, que não pode ser usurpado por um ministro que, por bajulação ao presidente ou por valores retrógrados, comporta-se como se estivesse na Inquisição. Assume o papel de um Torquemada da Educação, discriminando professores, cerceando o debate sobre questões que falam de perto ao futuro da nossa juventude, interditando, assim, os propósitos da verdadeira Educação.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 16/3/2022.