As ruas emudeceram neste 1º de maio. Para um país acostumado a ver manifestações multitudinárias, tanto os atos dos bolsonaristas como os dos petistas foram um rotundo fracasso. Os primeiros estiveram bem distantes da manifestação de setembro do ano passado, quando Bolsonaro mobilizou um mar de gente para sua pregação golpista. No outro espectro, os das centrais e do PT nem de longe lembraram outras jornadas do Dia Internacional dos Trabalhadores.
Não faltarão explicações para o esvaziamento das manifestações. A mais simplista delas é atribuir à pandemia a baixa adesão tanto em São Paulo como no Rio e Brasília. Se fosse assim, multidões não estariam lotando as ruas todos os dias, inclusive não teriam ido espontaneamente às ruas no carnaval fora de época.
Os responsáveis pelo ato do Pacaembú utilizaram esse argumento para explicar o fiasco. E olha que a manifestação contou com a presença de Lula e de artistas como atrativos. Já os Bolsonaristas alegaram ter tido pouco tempo para a convocação de seus atos.
É preciso se debruçar sobre o silêncio das ruas e entender o recado. Talvez esteja aí um indicativo do cansaço dos brasileiros com uma polarização que pouco tem a ver com o seu cotidiano e sua luta diária e titânica para sobreviver. Bandeiras como a intervenção militar ou o fechamento do STF não tocam fundo no coração das pessoas; é a pauta errada e limitada. Falam apenas a uma minoria de fanáticos dispostos a praticar democracídio.
É um erro creditar os 30% de intenção de votos de Bolsonaro à suas posições e atitudes antidemocráticas. Em grande medida, decorre do fato do largo sentimento antipetista existente na sociedade não ter encontrado, até agora, uma alternativa pautada na moderação e com respostas às questões concretas, como inflação e desemprego.
Esses 30% dos eleitores podem até votar em Bolsonaro por não enxergar outra saída, mas não representam uma base social a favor de um golpe, de uma interrupção democrática. Por isso, não foram às ruas no último domingo.
Fenômeno mais ou menos semelhante acontece no outro extremo, com sinal trocado.
Parte ponderável das intenções de votos em Lula decorre do sentimento anti-Bolsonaro. Não são Lula, apenas estão com Lula. Não enxergam uma alternativa que reconcilie o Brasil e deixe para trás a polarização estéril que deu o tom da eleição de 2018 e se reproduz agora até pelo efeito da inércia.
Há ainda um fator estrutural por trás do fiasco dos atos promovidos pelas centrais sindicais e pela esquerda. Eles detinham o monopólio da rua em mundo que pouco tem a ver com os tempos atuais. O chão de fábrica de hoje é completamente diferente do período das grandes manifestações e greves das quais surgiram o Partido dos Trabalhadores e Lula se afirmou como liderança nacional.
As classes se fragmentaram, o chão de fábrica se esvaziou, o empreendedorismo, o trabalho online e robotizado se expandiram, mas as categorias mentais dos sindicalistas continuam sendo a da segunda revolução industrial, quando fazia sentido falar em burgueses e proletários, em conflitos de classe.
O próprio Lula não se reciclou. Ao contrário, seu discurso embolorou. Perdeu apelo porque mantém as premissas dos anos 80 e do seu tempo de governo. Esse Lula passadista e nostálgico, que mantém o jargão “o petróleo é nosso” e enxerga as “garras do imperialismo” tentando se apropriar das nossas riquezas naturais, já não sensibiliza as massas. Isso tudo cheira naftalina, como diz o jornalista Igor Gielow.
Se fosse contemporâneo, já teria feito um grande movimento em direção ao amplo espectro do centro, não no sentido de cooptá-lo, mas de ser parceiro de um mesmo projeto democrático-reformista, conectado com o século 21. Mas em vez de ir em direção ao centro, é seu vice, Geraldo Alckmin, que se inflexiona para a esquerda, de forma patética, caricatural. Ele e Lula produziram uma cena que Bolsonaro agradece, ao ouvir, empertigados, o hino da Internacional Socialista no congresso do Partido Socialista Brasileiro.
O silêncio das ruas expõe, claramente, a ampla avenida para uma alternativa à polarização que tantos danos têm causado ao país. Mas falta à chamada Terceira Via um projeto e um candidato único para ocupar esse espaço. Sem uma opção virtuosa, o silêncio das multidões pode gerar apatia e desilusão, ou adesão a um dos dois polos que nos remetem ao passado em vez de nos conectar com o futuro.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 4/5/2022.