Livrar o Brasil de Bolsonaro (1)

Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 porque se vendeu como anti-corrupção, anti-aparelhamento do Estado, anti-política tradicional, pró-reformas, pró-privatizações. Nestes três anos e quase quatro meses de absoluto e total desgoverno, a corrupção está mais firme e forte que nunca, as instituições da República foram totalmente aparelhadas, como se fossem apêndices da famiglia presidencial, quem manda é o que de pior, mais podre e mais antigo da política brasileira, o Centrão, as reformas não andaram e nem sequer uma estatal que importa foi privatizada.

Só não dá para dizer que foi um absoluto estelionato eleitoral porque quem já havia ouvido falar em Bolsonaro sabia que ele era um defensor da ditadura, da tortura, dos torturadores, um sujeito misógino, machista, homofóbico.

O desgoverno Bolsonaro fez o Brasil avançar celeremente rumo ao passado, ao atraso, às trevas, em cada um dos pontos mais importantes que há: saúde, educação, ambiente, civilidade.

Mas a pior ameaça de todas é à própria democracia,

Ao longo destes três anos e quase quatro meses, Bolsonaro e seus asseclas trabalharam incansavelmente para destruir os pilares da jovem e frágil democracia brasileira.

Não foi possível termos um processo de impeachment, apesar dos cerca de 140 pedidos apresentados, porque eles foram engavetados pelos dois presidentes da Câmara dos Deputados ao longo deste período. Processos são igualmente engavetados pelo sujeito que passará para a História como o pior procurador-geral que esta República já teve, Augusto Aras, um lambe-botas, um capacho.

Mas é inimaginável que o país cometa a imbecilidade, o desvario total, a loucura, o suicídio de reeleger Jair Bolsonaro.

É preciso livrar o Brasil desse cancro. É preciso expulsá-lo do Palácio do Planalto a partir de 1º de janeiro com o nosso voto em outubro.

Começo aqui um trabalho de formiguinha. Vou reunir, a partir de hoje, artigos, editoriais e reportagens que mostram as diversas faces da destruição das instituições e da democracia que o desgoverno Bolsonaro vem promovendo.

Não é a primeira vez que faço esse tipo de compilação. Acho que é terceira ou quarta. Faço isso desde o governo Dilma. Sou useiro e vezeiro.

Minhas compilações anteriores eram gigantescas demais. Vou tentar fazer compilações menores, de não mais que três ou quatro artigos/editoriais. Como as anteriores, a série não terá periodicidade fixa. Vai ao ar quando for ao ar.

As anteriores não tinham ilustrações. Pretendo usar charges nas compilações desta série aqui. Começo com essa maravilhosa arte que meu amigo Harold George Gepp fez a meu pedido, com a maestria e a generosidade que o caracterizaram sempre.

Pode não adiantar nada, não servir para coisa alguma, não mudar um único voto. Pode ser murro em ponta de faca. Paciência. É o que eu posso fazer. Se houver algo a mais que possa ser feito, faço também. Brasileiro, profissão esperança.

Bora lá.

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Bolsonaro em estado bruto

Editorial, O Estado de S. Paulo, 2/4/2022

No dia 31 de março, Jair Bolsonaro fez um discurso eleitoral que reflete, com clareza meridiana, a natureza do bolsonarismo. O presidente não prestou contas do que fez até aqui no governo, tampouco propôs alguma coisa para o futuro do País. Não fez nada do que, em tese, um pretendente à reeleição deveria fazer para conquistar o voto do eleitor. O discurso, repleto de grosserias, foi dedicado a fustigar as instituições e a proferir ameaças. “Calma é o cacete”, disse.

Nada disso – tom, conteúdo ou ausência de proposta – é acidental. O bolsonarismo precisa que a campanha eleitoral não discuta os problemas reais do governo e do País. A corrupção no Ministério da Educação, as relações promíscuas com o Centrão, o completo fracasso da agenda de Paulo Guedes, as omissões e confusões no enfrentamento da pandemia, as falcatruas no Ministério da Saúde, o desemprego, a inflação, o baixo crescimento econômico e a volta da fome: todos os temas que afetam a vida da população, bem como as suspeitas de rachadinha e de tráfico de influência envolvendo a família Bolsonaro, são um enorme problema para a reeleição de Jair Bolsonaro.

Mas como fazer para que nada disso, em um total desvirtuamento do que deve ser o debate público num regime democrático, seja discutido na campanha eleitoral? O bolsonarismo tem a fórmula – incivilizada, hostil aos princípios constitucionais e extremamente onerosa para o País. Infelizmente, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto, essa fórmula está funcionando para eletrizar sua aguerrida base reacionária, exatamente como aconteceu nas eleições de 2018. A diferença, para pior, é que, naquela época, Bolsonaro era apenas um obscuro deputado do baixo clero, dependente das redes sociais para ganhar atenção, e hoje é presidente da República, condição que dá muito mais visibilidade às suas injúrias.

Em vez de explicar os incontornáveis problemas do Ministério da Educação, Bolsonaro prefere gritar: “Bota a tua toga e fica aí sem encher o saco dos outros!”, em referência malcriada a ministros do Supremo. Trata-se de grave falta de compostura e decoro. A rigor, enquadra-se numa das hipóteses da Lei do Impeachment, que inclui, entre os crimes de responsabilidade, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Mas Bolsonaro sabe que ficará impune, e aproveita a grosseria para atiçar apoiadores, gerar tensão com outros Poderes e desviar a atenção do que realmente interessa numa eleição.

É de fato constrangedor, mas o bolsonarismo não tem nenhum escrúpulo em inventar e reinventar as mesmas polêmicas. Na quinta-feira, Bolsonaro falou de todas elas: elogiou a ditadura militar, ameaçou as eleições de outubro, prometeu armar a população, deturpou o sentido de decisões judiciais, fantasiou ataques à liberdade de expressão e ainda aplaudiu o deputado desordeiro que, para fugir da Justiça, preferiu desonrar o Congresso.

Assim Jair Bolsonaro vem, há décadas, construindo sua trajetória política. Não conhece limites morais e éticos, esmerando-se sempre em se superar em truculência e desfaçatez – sobretudo quando se encontra em dificuldades políticas. Diante do acúmulo de evidências de corrupção e malfeitos em seu governo, Bolsonaro vale-se de ameaças e insinuações antidemocráticas. Não por acaso, voltou a colocar em dúvida o sistema de votação, com o intuito óbvio de criar um clima de apreensão no País e fazer os brasileiros esquecerem como a vida piorou.

A estratégia é muito mais grave do que mero desvio de atenção da população. Há um ataque real às instituições e às liberdades quando um presidente da República insinua que não reconhecerá o resultado das eleições caso seja derrotado. Sem nenhuma transigência ou tolerância com essas ameaças – que merecem rigorosa responsabilização –, é preciso lembrar o óbvio: há democracia no País, haverá eleições em outubro e o resultado será respeitado. O resto é burburinho de quem nada tem a oferecer ao Brasil além do caos.

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O efeito ‘calmante’ do orçamento secreto

Editorial, O Estado de S.Paulo, 13/4/2022.

A esta altura, o País já se acostumou com o fato de que a estabilidade política do governo de Jair Bolsonaro é dependente da distribuição farta de verbas e sinecuras a aliados oportunistas. Afinal, trata-se de um governo com DNA do baixo clero. Mas, quando o próprio presidente admite candidamente essa desfaçatez e, pior, considera que se trata de algo positivo, significa que o País atingiu um novo nível de degradação moral.

A um podcast, Bolsonaro disse que o pagamento de emendas bilionárias a parlamentares por meio do orçamento secreto, esquema de compra de apoio parlamentar revelado pelo Estadão, ajuda a “acalmar” o Congresso.

Aqui cabem algumas perguntas. Por que o Congresso precisa ser tranquilizado? Qual a razão da agitação dos parlamentares? Quem se beneficia, direta e indiretamente, dessas emendas com esse alegado efeito calmante? E o que farão os deputados e senadores se suas demandas não forem atendidas? Bolsonaro, evidentemente, não responderá a nenhuma dessas questões, mas quem acompanha as relações entre o Executivo e o Legislativo sabe o que está por trás dessa prática opaca e nada democrática.

O Orçamento talvez seja o instrumento que melhor representa os interesses de um governo e da sociedade que o elegeu. Ali estão as escolhas feitas no passado e as prioridades para o futuro. Para além do pagamento de salários ao funcionalismo e benefícios previdenciários e assistenciais, o sucesso da execução de políticas públicas passa, obrigatoriamente, pelo Orçamento. Sem recursos, o enfrentamento da pobreza, do desemprego e da inflação não passa de boas e vagas intenções. É a peça orçamentária que traduz o retorno dos impostos pagos por toda a sociedade.

Neste ano, por exemplo, as emendas de relator, aquelas vinculadas a interesses paroquiais, somam R$ 16,5 bilhões, rubrica que supera em quase quatro vezes os valores reservados, por exemplo, para a recuperação de toda a malha de rodovias federais públicas. Há suspeitas de que alguns parlamentares cobram comissão sobre o valor enviado aos municípios, algo que remete ao que pastores com trânsito livre no Ministério da Educação teriam feito ao negociar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) com prefeitos. Para Bolsonaro, nada disso é relevante. “Não tenho nada a ver com isso”, disse aquele que, malgrado ser presidente da República, age como se fosse um barnabé que se limita a pendurar o paletó na cadeira e não se responsabiliza por nada.

As bases que sustentam o governo e o impedem de desabar, mesmo depois de uma atuação criminosa na pandemia de covid-19, são justamente essas emendas. São elas que contêm o andamento dos mais de 140 pedidos de impeachment. Responsável pela decisão final a respeito desses requerimentos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não analisa nenhum deles, mas tampouco os arquiva: enquanto esse dinheiro não for contingenciado, o caminho de Bolsonaro estará livre. A execução das emendas é o salvo-conduto do presidente e sua melhor chance de reeleição.

É a corrupção no varejo, como explicou em entrevista ao Estadão o economista Marcos Fernandes Gonçalves da Silva. O superfaturamento de obras gigantescas e o petrolão das gestões petistas ficaram para trás depois que as empresas adotaram práticas de governança e o País aprovou a Lei Anticorrupção. A classe política, no entanto, respondeu a esse avanço institucional se adaptando aos novos tempos. Para isso, nada melhor que se associar a um egresso do rebotalho da Câmara, com quase 30 anos de atuação irrelevante no Parlamento e fortes suspeitas de enriquecimento ilícito por meio de rachadinha.

Sem nenhum projeto que não a proteção de si mesmo e de sua família, Bolsonaro entregou o governo ao Centrão, incluindo verbas e cargos. É o que resta em termos de negociação para um presidente fraco. Não são apenas os parlamentares que ficam calmos com esse esquema espúrio. Quem dorme tranquilo enquanto o dinheiro público é loteado é o próprio Bolsonaro.

15/4/2022

A série de compilações que se inicia aqui não tem periodicidade pré-estabelecdida. 

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