A notícia estampada no portal do Estadão parecia inacreditável. Para conter os riscos de apagões, o governo federal contratou às pressas – sem licitação e por R$ 3 bilhões ao ano -, quatro navios-usina turcos geradores de energia a gás, que até agora, meses depois do pico da crise, não entraram em operação. Mais: as linhas de transmissão previstas para interligá-los ao sistema nacional de energia simplesmente inexistem. Mais ainda: depois das intensas chuvas, os navios são dispensáveis. Ainda assim, por contrato, os brasileiros vão continuar pagando a conta até 2025.
Esse é o desgoverno Bolsonaro. Um amontoado de improvisos levianos, como a fórmula mágica para reduzir o preço dos combustíveis, que, se aprovada, vai se comprovar tão ineficaz quanto os elefantes brancos da Turquia – com prejuízo bilionário para o país. Nesse caso, com um agravante adicional: a quebra do princípio federativo, com a absurda intromissão nas prerrogativas exclusivas dos estados.
Irresponsabilidade e gambiarras eleitoreiras no trato de problemas complexos, a exemplo do apelo patético do presidente e de seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes, para os supermercados segurarem os preços até depois do pleito, compõem o estranho rol de marcas do período Bolsonaro. Nele, vale o inverso das promessas feitas. Inflação e miséria ocuparam o lugar da ordem e progresso. Sua família figura acima de tudo e todos, e até o enunciado de João 8:23 -“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” -, que ele jurava prezar, foi corrompido.
Bolsonaro mente com tanta naturalidade e insiste tanto na mentira, que corre o risco de até ele crer na falácia dita.
Na sexta-feira, ao falar na Cúpula das Américas, mais uma vez falseou dados sobre a Amazônia, cuja devastação se acelerou drasticamente nos três últimos anos. Disse ainda que o Brasil é responsável por garantir a segurança alimentar de 1 bilhão de pessoas no planeta – uma afronta aos 33% dos brasileiros que passam fome. E mentiu de novo ao elogiar o empenho de seu governo para encontrar o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira, desaparecidos desde o dia 5, no Vale do Javari.
Na verdade, o Comando Militar da Amazônia demorou mais de 30 horas para se lançar em campo, justificando, em nota oficial, que não havia recebido autorização dos superiores para iniciar as buscas. E até o momento em que ele mentia descaradamente no palco da Cúpula, a Força Nacional também não tinha sido enviada à região.
A mentira reverbera entre seus seguidores nas redes sociais, auxiliando-o na campanha eleitoral, e se presta também para cumprir sua maior obstinação: a de desconstruir o Brasil. Isso inclui dinamitar as instituições e semear a criminosa desconfiança no processo eleitoral – portanto, na democracia.
Com arroubos contra uns e outros e ditos descabidos, o presidente até consegue desviar a atenção das marcas nefastas, deixando-as menos evidentes. Mas não tem conseguido o êxito pretendido. Com rejeição acima de 50%, parece ter firmado a sólida posição de péssimo governante, o pior da história republicana, agora reforçada com o rótulo de preguiçoso. De alguém que se diverte muito e trabalha pouco ou nada; que saracoteia de jet ski, cuja importação foi beneficiada com isenção total, e promove motociatas – no sábado, teve uma em Orlando, nos Estados Unidos -, e não quer saber do batente.
O desgoverno Bolsonaro arruina o presente e compromete o futuro. Não só nas contas a pagar de navios turcos que de nada servirão ou nos subsídios disfarçados para gasolina e diesel. Mas na crença do brasileiro no Brasil. Recuperá-la será um trabalho hercúleo.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 12/6/2022.