Chile diz sim ao centro

Se o projeto incorporava o anseio dos chilenos por um estado de bem-estar social, traduzido em uma aposentadoria digna, em uma educação superior gratuita, por outro lado enveredou por caminhos que minavam a democracia representativa e o equilíbrio entre os poderes.

O recado do rechazo não é o aval à atual Constituição, uma herança dos tempos de Pinochet. A conquista de uma nova Constituição consagradora dos direitos sociais e políticos e fator de unidade dos chilenos continua na ordem do dia e já se iniciaram negociações para que o processo constituinte tenha continuidade e se dê em outro patamar.

O clamor que sai das urnas é o da unidade nacional, sentimento compartilhado pela imensa maioria dos chilenos. Seu pronunciamento é também o resgate da política, do diálogo, de revalorização dos partidos e do próprio Congresso chileno, por onde, inevitavelmente a negociação passará. A esquerda é parte da unidade a ser construída, mas já não dará as cartas de forma absoluta.

A conferir se o presidente Boric acompanhará o sim ao centro dado pelos chilenos. Os primeiro sinais são positivos e eles devem se refletir tanto em ser um dos protagonistas do entendimento nacional, como na reestruturação do seu governo, abrindo espaço para as forças de centro-esquerda. Seu grande desafio é como ampliar a sua base com as forças concertacionistas e ao mesmo tempo manter unido o núcleo duro de seu governo. Não é uma equação fácil. Seu braço mais à esquerda, leia-se o Partido Comunista do Chile, não aceitará facilmente perder nacos do poder em favor de uma coligação mais ampla.

Gabriel Boric vive uma situação delicada. Em seis meses a aprovação de seu governo caiu de 50% para menos de 30%. Sua imagem vem sendo corroída por uma inflação de 13% – nos tempos da Concertacion ela girava em torno de 3% – e uma escalada da violência, com um crescimento de 30% nos últimos doze meses. Como apoiou, ainda que de forma moderada, o projeto da Convenção Constituinte a derrota do sim é também uma derrota pessoal.

A única maneira de dar a volta por cima é se colocar em sintonia com os ventos que varreram o Chile no último domingo. Mas, ou entende que os chilenos disseram sim ao centro, ou corre o risco de ser um pato manco no palácio La Moneda por mais três anos e seis meses. Em seu favor, já deu demonstrações de ser um político habilidoso e não dogmático, a ponto de não defender ditaduras de esquerda, como as de Cuba, Nicarágua e Venezuela.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/9/2022. 

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