Pátria amada, Brasil!

Quis o Diabo, ou quiseram todas as forças do Mal, que o Bicentenário da Independência acontecesse com um monstro ocupando a Presidência da República do florão da América, pátria amada, Brasil.

Mau militar na definição do general Geisel, “deputado de atuação folclórica, fisiológica e apagada”, como resumiu Vera Magalhães, machista, misógino, racista, defensor das ditaduras e de torturadores, adorador da morte, inimigo da vida, da cultura, da educação, da saúde, Jair Bolsonaro roubou o 7 de Setembro do ano do Bicentenário.

Roubou de nós, o povo, para seu uso pessoal. Roubou. Abiscoitou, agadanhou, escorchou, larapiou, gatunou, surrupiou, pilhou, pirateou, subtraiu, rapinou, raptou, usurpou de nós as cores da bandeira, os símbolos da Nação, a comemoração da festa, a data.

“Bolsonaro não surpreendeu: fez uma mistura completa entre a data cívica e a campanha eleitoral nesta manhã em Brasília”, escreveu Míriam Leitão no site do Globo, rápida como um raio. “No discurso feito logo após o desfile exibiu-se: foi machista, fez ameaças implícitas, esteve sempre ao lado de empresário investigado pelo STF, usou todos os símbolos nacionais como se fossem seus e distorceu a história do Brasil. Não teve um único momento de grandeza, de respeito à divisão entre as suas funções de chefe de estado, e os seus interesses de candidato.”

Não pode haver ladrão maior que este.

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Este é um país maravilhoso, e temos muitos motivos para nos orgulharmos dele – mas, infelizmente, quis o Diabo que chegássemos ao 7 de Setembro do bicentenário em uma campanha eleitoral em que se disputa quem roubou menos.

Ainda na terça-feira, 6, véspera do Dia da Independência, o atual governador de Minas Gerais e candidato favorito à reeleição, Romeu Zema (Novo), saiu-se com a seguinte pérola de lixo, em sabatina dos jornais O Globo e Valor e Rádio CBN:

“- Governo Bolsonaro pode ter corrupção? Tem. Mas numa escala muito menor.”

Não pode haver ladrão maior do que ladrão que rouba os símbolos nacionais e o 7 de Setembro do Bicentenário.

Nem é preciso falar de décadas de rachadinhas, de 107 imóveis comprados, 51 deles em dinheiro vivo, em tentativa de comprar vacina indiana com US$ 1 dólar de caixinha para cada dose, em corrupção a rodo no Ministério da Educação. Nem mesmo do orçamentão secretão – que consegue a proeza de deixar no chinelo o mensalão e rivalizar com o petrolão – é preciso falar.

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“Bolsonaro está há meses convocando para atos que capturam a celebração do Bicentenário da Independência para sua campanha à reeleição e para sua pregação contra as urnas eletrônicas e o Judiciário — em resumo, contra a democracia”, escreveu Vera Magalhães em sua coluna deste dia 7 no Globo. “Nem percebemos que passamos a tratar como normal o fato de os desfiles oficiais dividirem espaço geográfico e convidados com uma micareta de apoiadores do presidente que reiteradamente têm investido contra as instituições em templos, nas redes sociais, em aplicativos de mensagens e atos em datas passadas.

“Num sinal inequívoco de corrosão de limites do que é aceitável nas balizas do Estado de Direito, passamos quase a pedir a Deus para que não haja conflito, quiçá armado, e a prever graus de exacerbação de um ou vários discursos que Bolsonaro possa proferir nos palanques híbridos onde subirá.”

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Na página seguinte do Globo, Bernardo Mello Franco escreve:

“Depois de sequestrar a bandeira do Brasil, a camisa da seleção e outros símbolos nacionais, o bolsonarismo se apropriou do Dia da Pátria. A captura será oficializada hoje, no bicentenário da Independência.

O capitão pôs o Sete de Setembro a serviço da campanha à reeleição. Submeteu a data cívica aos interesses do calendário eleitoral.

Por ordem de Bolsonaro, a comemoração foi deslocada do centro do Rio para a orla de Copacabana, ponto de encontro de seus apoiadores. O desfile no Rolls-Royce presidencial foi cancelado. Dará lugar a uma motociata à beira-mar.

Não será uma festa para todos. O clima de violência política recomenda que eleitores de outros candidatos evitem a Avenida Atlântica. De vermelho, só os salva-vidas da praia — e olhe lá.

Os militares vão participar alegremente do comício. Os canhões do Forte de Copacabana devem disparar de hora em hora. A Marinha promoverá uma parada naval, e a Aeronáutica fará uma exibição da Esquadrilha da Fumaça.”

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Na Folha de S. Paulo e no Globo, Elio Gaspari lembra que, em São Paulo, está havendo uma comemoração do Bicentenário como a data merece:

“Hoje o Brasil completa 200 anos. Em tempos estranhos, dias estranhos. Ontem, em São Paulo, foi reinaugurado o museu que celebra a Independência. Hoje, na Avenida Atlântica, o presidente da República terá seu dia.

A festa do Brasil atual, no Rio, será dominada por Bolsonaro, com suas encrencas, divisões e radicalismos que levam a nada. A festa da reinauguração do Museu do Ipiranga foi amostra da vitalidade desta nação bicentenária. A celebração do passado mostrou o presente de um país que funciona.

Sabe-se lá o que dirá o capitão em Copacabana. Seu governo foi incapaz de produzir um só evento relevante para esta data. Pensando no que foi o Bicentenário da Independência dos Estados Unidos em 1976, ou o Bicentenário da Revolução Francesa, festejado em 1989, sente-se na alma o peso do imobilismo.”

E mais adiante:

“Felizmente, reinaugurou-se o Museu do Ipiranga. Celebrou-se o trabalho de centenas de operários, servidores públicos, museólogos, restauradores, engenheiros e arquitetos. Celebrou-se também a capacidade articuladora de governos responsáveis. Entre eles, o de João Doria, que parece ter saído de moda, mas fez coisas que ninguém fez. (…)_

O novo Museu do Ipiranga é uma providencial lição do vigor dos brasileiros. Ofendem-se as atividades culturais, e de uma instituição arruinada saiu uma grande obra. Demoniza-se o serviço público, e a burocracia cultural produz esse monumental resultado. Satanizam-se as alianças do empresariado com o poder público, mas 36 empresas cacifaram boa parte do serviço.”

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“Usurpar a comemoração oficial do bicentenário da Independência com interesse eleitoreiro e como parte de uma exaltação personalista não é algo que se possa aceitar. Ainda mais em um país que grita de fome.”

É o que diz artigo publicado na Folha de S. Paulo deste 7 de Setembro por um grupo de nomes respeitáveis, admiráveisDom Walmor Oliveira de Azevedo (CNBB), José Carlos Dias (Comissão Arns), Helena Nader (Academia Brasileira de Ciências, ABC), Octávio Costa (ABI) e Renato Janine Ribeiro (SBPC).

“Ainda mais em um país que grita de fome. Onde o desemprego segue altíssimo em quase todos os setores, jogando milhões no olho da rua ou, quando muito, na informalidade. Onde milhões de crianças amargam o retrocesso de aprendizado e a evasão escolar, sem políticas públicas determinadas a resolver esta situação. Onde o preconceito e o racismo continuam a punir a população negra e pobre, os povos indígenas e os diferentes. Onde as estatísticas de feminicídio teimam em subir. E, não podemos nos esquecer, onde a mortalidade oficial da Covid-19 se aproxima de 690 mil vidas perdidas, deixando um rastro de desalento em todo o país.

Diante de quadro tão grave, entendemos que é chegado o tempo de brasileiras e brasileiros chamarem para si a data do bicentenário, tomando nas mãos algo que a história lhes confere e, ao mesmo tempo, cobra, qual seja, a defesa da democracia. Se há o que exaltar, neste momento, é o compromisso de toda a cidadania com algo precioso para o povo brasileiro: o sistema político que, não sendo perfeito, é o único no qual todos podem e devem ter voz, na construção de um projeto comum. Sem democracia, apagam-se as luzes, quebra-se o espelho, perde-se a nação.

Propomos que o bicentenário da Independência sirva como uma convocação geral da sociedade em defesa de datas cívicas que se avizinham. Que em 2 de outubro, 156 milhões de eleitores possam escolher os seus representantes com liberdade, tranquilidade e confiança nas urnas eletrônicas, amplamente testadas e reconhecidas.

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“É um momento especialmente importante da vida nacional”, diz em editorial O Estado de S. Paulo, “Não é mera lembrança de um longínquo fato histórico, cujo significado estaria escondido nos livros e pesquisas acadêmicas sobre o tema. Trata-se de um acontecimento decisivo para a trajetória do País, cuja comemoração pode e deve ser impulso para preservar o muito que se fez até aqui e para enfrentar os muitos desafios e problemas ainda existentes. (…)

“A Independência é obra diária de um povo que não deseja ser escravo de suas mazelas, de suas desigualdades, de seu subdesenvolvimento. E essa empreitada de cidadania é tarefa nossa. Se nós, brasileiros, não a fizermos, ninguém a fará por nós.”

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Estes tempos atuais são tão absolutamente sombrios que podem nos fazer esquecer que o Brasil tem muito a celebrar no Bicentenário, como disse já no título o editorial de O Globo neste 7 de Setembro:

“Os 200 anos de uma nação como o Brasil merecem exaltação. Em 1822, éramos 4,7 milhões concentrados numa pequena faixa de terra junto ao litoral. Hoje a população gira em torno de 215 milhões, a quinta maior do mundo, espalhada por todos os pontos do território nacional. Em dois séculos, o país evitou o esfacelamento dos vizinhos da América Latina, acabou com a injustiça e a vergonha da escravidão, hospedou milhões de imigrantes de todos os continentes, integrou-se com base no idioma comum herdado dos portugueses, enriquecido com as contribuições milionárias africana, indígena e tantas outras. Construiu uma cultura própria, admirada no mundo todo, de excelência reconhecida em todos os campos artísticos, para não falar no futebol e nos esportes.”

O Brasil é muito maior do que esse desgoverno que o rouba e o desgraça.

Dos filhos deste solo és mãe gentil, pátria amada, Brasil!

7 de setembro de 2022

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