O Brasil está sem presidente da República. Nada a ver com a viagem de Jair Bolsonaro a Londres e Nova York ou com a mediocridade de seu governo, mas pelo fato de que ele, definitivamente, não trabalha. Se já demonstrava não gostar do batente, no modo reeleição ele dedica menos de 5% do tempo às tarefas presidenciais. Não se trata de denúncia ou algo que precise investigação – está lá na agenda oficial. Na última semana, seus compromissos como primeiro mandatário do país se limitaram a pouco mais de duas horas.
Na segunda-feira, 12, Bolsonaro recebeu por 20 minutos o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, assinou o livro de condolências pela morte da rainha Elizabeth II, e, de 12h às 12h15m, despachou com o subchefe para Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral da Presidência, Renato de Lima França. E só. Na quinta, 15, reservou meia hora ao ministro Emmanoel Pereira, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (sem qualquer ironia), e outra meia horinha à participação, por videoconferência, em um seminário sobre a tecnologia 5G. No mais, dá-lhe entrevistas a podcasts de aliados – só a conversa com canais evangélicos durou 4 horas -, motociatas país afora e comícios.
No pacote motociata-comícios, Bolsonaro dedicou os dias 13, 14 e 16 a Sorocaba, no interior paulista, Natal, no Rio Grande do Norte, Prudentópolis e Londrina, no Paraná. Na semana anterior já tinha desfilado em Imperatriz do Maranhão e no Axixá do Tocantins, além do Rio de Janeiro, onde acelerou com apoiadores antes do comício do 7 de Setembro. Esse último expresso na agenda do Planalto, o que tira qualquer possibilidade de tergiversação quanto ao caráter eleitoral das comemorações “cívico-militares” do Bicentenário da Independência patrocinadas por seu governo.
Não há legislação específica que impeça os candidatos à reeleição – prefeitos, governadores e presidente – de ocupar o horário de trabalho com campanha eleitoral. Mas não fazê-lo sinaliza ao eleitor que o postulante cumpre as responsabilidades a ele delegadas, preza o cargo que ocupa e, portanto, seria merecedor da renovação dos votos de confiança. A divisão das horas entre o trabalho e a campanha também dificulta as acusações de uso da máquina. Vários candidatos chegam a se licenciar temporariamente do cargo.
Com Bolsonaro, dá-se o avesso. Não trabalha e usa todos os recursos disponíveis da Presidência – dinheiro e caneta – para fazer campanha. Nada acontece mesmo quando abusa. E ele não abusa pouco.
Fora do que já tinha obtido junto ao Congresso, que avalizou o descumprimento da Constituição e da legislação eleitoral para ampliar o Auxilio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dar benefícios a caminhoneiros e taxistas, baixar o preço dos combustíveis com o chapéu alheio dos governadores e subsidiar o gás de cozinha, Bolsonaro tem financiado pelo menos parte de sua campanha com dinheiro dos impostos dos brasileiros.
Um exemplo. A lei prevê o ressarcimento pelo candidato à reeleição que utilize, por força do cargo, recursos públicos – transporte, hospedagem, alimentação, etc. Algo que a campanha de Bolsonaro tratou como chacota ao declarar custos de R$ 30 mil para os comícios do 7 de Setembro em Brasília e no Rio. Por baixo, só o aluguel de um jato para o percurso de ida e volta Brasília-Rio custaria de R$ 59 mil a R$ 99 mil, dependendo do número de passageiros e do conforto requisitado. Tem-se ainda a contabilidade subestimada de todos os jatinhos para percorrer o país em motociatas e os custos adicionais que recaem sobre os governos estaduais e municipais para interdição de ruas e aparatos de segurança, nada disso computado nas contas bolsonaristas.
Desde sempre, Bolsonaro é um folgazão notório. Nos quase 30 anos que passou na Câmara dos Deputados, sua produção parlamentar foi pífia. Na Presidência, repetiu o padrão. E se já trabalhava pouco ou quase nada, na reta final da campanha a tendência é zerar a carga horária oficial. Ele pretende incluir na rotina uma “live” por dia e muitas motociatas em São Paulo onde, segundo o último Datafolha, perdeu terreno para o líder das pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, e em Minas, estado no qual ganhou preciosos pontos na última semana.
Financiadores de suas estripulias eleitorais, os brasileiros que têm a sorte de estar empregados trabalham pelo menos 8 horas por dia. Autônomos, pequenos empreendedores e informais chegam ao dobro disso. Na ponta do lápis, pode ser que nos quatro dias de interinidade iniciados ontem, o senador Rodrigo Pacheco trabalhe mais do que Bolsonaro em meses.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 18/9/2022.