A defesa da não obrigatoriedade de vacinação das crianças para a matrícula escolar reúne todos os ingredientes para virar a nova polêmica a ser insuflada pelo presidente Jair Bolsonaro, cujo estoque de conflitos anda repetitivo, insuficiente para mobilizar até o seu público mais fiel.
Embora tenha se empenhado em entrevistas diárias no pós-férias, Bolsonaro não conseguiu obter êxito com a cantilena contra ministros do STF e os ataques à credibilidade das urnas eletrônicas. Nem mesmo a infâmia do “tarados por vacinas”, dirigida aos defensores da imunização contra a Covid, incluindo os técnicos da Anvisa, obteve o sucesso pretendido entre a sua turma.
Safos, os ministros do Supremo Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes não deram bola para a nova sessão de desacatos, e a tentativa de ressuscitar o conto de fraude na eleição de 2018, que Bolsonaro diz, sem provas ou mesmo indícios, que teria vencido no primeiro turno, naufragou no vazio. Não se viu qualquer hashtag nas redes sobre o tema.
A baixa interação talvez possa ser explicada pela mágoa de seguidores que mergulharam de corpo e alma nas ameaças golpistas de setembro do ano passado. Que apostaram em “ação” e viram o “mito” sucumbir ao centrão de sempre, ao qual ele, confessamente, disse sempre pertencer. O resto era papo de eleição e encantamento de torcida.
Quanto às vacinas, Bolsonaro desde sempre marchou na contramão. Sabotou-as, não se dando conta de que os brasileiros arduamente ansiavam por elas. Isso se materializou na mais aguda esquizofrenia: um governo que distribui vacinas enquanto o presidente as combate.
A despeito da cólera presidencial, a vacinação contra Covid andou célere no país, com quase 70% da população totalmente imunizada e, consequentemente, um impacto infinitamente menor na gravidade da variante ômicron, cujo contágio é comprovadamente mais acelerado.
Mas Bolsonaro não se deu por vencido na sua birra antivacina. Quando a Anvisa aprovou a imunização de crianças de 5 a 11 anos, o capitão viu a chance de novamente ativar os seus. Mais uma vez aproveitou-se da cegueira e da ignorância para inocular o vírus da mentira, que, no Brasil da impunidade, não é letal para o governante.
Mesmo com as dificuldades impostas – de receita médica à consulta popular -, a vacinação infantil acabou aprovada. O ministro da Saúde Marcelo Queiroga, que protelou o quanto pôde e até mesmo lançou dúvidas sobre a conveniência de aplicá-la, correu à frente das câmeras para receber o primeiro lote da Pfizer, como se a imunização de crianças fosse desejada pelo governo.
No mesmo dia, bolsonaristas de carteirinha começaram a espalhar nas redes o falso dilema da obrigatoriedade da vacina para acesso às escolas. Pior: não se limitaram à Covid-19.
Desde 1990, as vacinas são exigidas para o ingresso escolar. Hoje, o cardápio inclui 18 imunizantes, entre eles os contra a tuberculose, hepatites, pólio, meningite, sarampo, rubéola, caxumba, entre outros. A obrigação está coberta pela lei – com multas para os pais -, expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), demonizado pelo bolsonarismo. Gostariam mesmo é de acabar com o ECA, tido ainda como “complacente com jovens delinquentes”, que estariam “protegidos” pela maioridade penal.
Para Bolsonaro, com espaço de ação praticamente limitado à reincidência em polêmicas inventadas nos primeiros anos de mandato, contestar a vacinação infantil e o ECA podem subsidiar a beligerância que usa para alimentar seu gado. Nada além de 20%, mas alinhado à sua missão primeira de destruir o estado brasileiro e os avanços civilizatórios do país.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 16/1/2022.