A democracia venceu

Depois de dois anos inoculando o vírus da desconfiança no sistema eleitoral, descendo a lenha nas urnas eletrônicas até para uma plateia internacional, o presidente Jair Bolsonaro se viu acariciado por elas. Colheu muito mais votos do que se esperava no primeiro turno.

Elegeu governadores aliados e uma extensa turma de fiéis: Damares Alves (DF), Tereza Cristina (MS), Marcos Pontes (SP), Rogério Marinho (RN), Romário (RJ) e Hamilton Mourão (RS) para o Senado, e pelo menos uma dezena de deputados federais. Entre eles, os ex-ministros Eduardo Pazuello, o mais votado do Rio, e Ricardo Salles, o da boiada ambiental. Embora tenha perdido para Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro saiu do domingo eleitoral se achando.

E isso não é de todo mal. A partir de agora, o presidente candidato terá dificuldade de contestar a lisura do processo eleitoral e de inventar histórias sobre fraudes nas urnas, as mesmas que acabaram de eleger sua turma. Mais: o sucesso parcial de estender o jogo para a prorrogação tende a subir-lhe à cabeça, reavivando as patacoadas do “escolhido”, que já começaram a pipocar nas redes.

Ainda que tenha motivos para comemorar a margem muito inferior à prevista pelas pesquisas entre ele e o líder Lula, Bolsonaro tem menos espaço para chegar lá daqui quatro semanas do que o ex-presidente. Terá de achar em lugar ainda não sabido mais de 6 milhões de votos, número que o separa do primeiro colocado.

Em São Paulo, onde o candidato Tarcísio de Freitas virou em cima do petista Fernando Haddad na primeira rodada, as chances de Bolsonaro crescer acima do patamar aferido no primeiro turno são reduzidas. Seu pupilo chegou aos 9,8 milhões de votos (42%) colando sua imagem na do presidente. Agora, terá de lutar contra a união de Haddad e do governador Rodrigo Garcia, terceiro colocado, que terminou com 4,3 milhões de votos (18%).

O mesmo cenário se repete no Rio Grande do Sul. Por lá, o ex-ministro bolsonarista Onyx Lorenzoni surpreendeu com 37,5% dos votos, mais de 2,3 milhões. No segundo turno, nem Onyx nem Bolsonaro terão moleza com a junção dos votos do petista Edegar Pretto e do ex-governador Eduardo Leite, do PSDB, segundo colocado.

Entre os presidenciáveis que não chegaram à final, Bolsonaro tem chances perto de zero. A ele se somarão o padre Kelmon, com incríveis 80 mil votos, e parcela dos 559 mil eleitores de Felipe D’Avila.

Lula deve colher o apoio da candidata Simone Tebet, que na reta final ultrapassou Ciro Gomes, assumindo a terceira colocação na disputa.Além dos quase 5 milhões de votos que ela arregimentou, a adesão complementa a liderança do ex entre as mulheres, maioria do eleitorado, amplia o leque de apoios ao centro e na classe média. Boa parte dos eleitores de Ciro também deve migrar para o petista, mesmo que ele opte por não explicitar sua opção para o segundo turno.

Confirmando a barafunda da política brasileira, neste domingo de eleições, Lula, com mais de 57 milhões de votos, e os paladinos do bolsonarismo venceram. Mais do que tudo, a democracia venceu. Falou mais alto do que as diatribes de Bolsonaro contra ela.

Que venha o segundo tempo.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/10/2022. 

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