Até cerca de dois anos atrás, quando Lulu frequentava a escola normalmente, eu e a mãe dela, minha filha, ficávamos inventando coisas para que ela não ficasse entediada em casa.
No fim da tarde, quase sempre a chamava para ajudar a fazer biscoitinhos ou para preparar uma bela pasta para o jantar. Lulu, perto dos dez anos, corria a passar a massa na maquininha e se divertia moldando pedaços já cortados, vendo-os se transformarem em pequenas borboletas.
À noite, um joguinho depois do jantar, e na hora de dormir, impreterivelmente, assistíamos a um delicioso Tom & Jerry, juntas as três, nos espremendo na cama.
Mas aí o tempo de criança passa rápido e logo a gente se dá conta de que moldar borboletinhas de massa ou jogar Stop já não fazem mais parte da rotina de uma pré-adolescente a apenas quatro meses de completar doze anos.
Caramba! É muito rápida essa mudança. E aquela rotina de antes subitamente parece que ficou num passado muito distante.
No lugar da avó e da mãe como parceiras dos jogos, entrou o computador que “trabalha” desde bem cedo quando começam as aulas virtuais da manhã e segue ligado até quando a madrugada já vem chegando.
Mas, que encantos puseram lá dentro ao ponto de fazer com que uma pessoinha não consiga se desgrudar da tela?
Vez por outra ela sai da toca e vem me dizer que a edit que fez com a Esmé usando a música da Marina and the Diamonds já está com 1.3 M de visualizações e 236.4K de curtidas.
– Ahn? Quem é a Edite? – pergunta a porforíssima vó!
– E quem é essa Esmé?
– Não é Edite, vó! É edit, de editar, e a Esmé é a companheira do Olaf e eles, juntos, perseguem a Olívia na série Desventuras em Série.
Tóin! Minha cara caiu lá no chão. E pra nunca mais ficar com essa expressão de pateta diante dela, resolvi assistir ao filme para descobrir quem era quem. Tudo esclarecido. Agora não pago mais mico!
Engano meu! Uns dias depois ela veio comentar que estava bombando o edit que fez da Wanda, estrela principal do WandaVision.
– E quem é essa Vanda, Lu?
– Não é Vanda, vó! Se diz Uanda! Parece que não aprendeu inglês.
Descobri durante essa convivência mais estreita em razão da pandemia que o papel de avó não é mais o de ensinar e sim o de aprender. Então vou tentando me adaptar às neologias criadas por essa turminha e procurando me acostumar com a eliminação de palavras por parte delas.
Nos dias em que ela dorme na casa do pai, tenho de me resignar com suas respostas lacônicas via WhatsApp. Quando pergunto: “Oi, tá boa?”, recebo como resposta um número 8.
O que será isso, meodeos? Depois de sentir que o Tico e Teco já estão quase desistindo, descubro o enigma: “Oi, tô”. Insisto na conversa: “Já fez o dever?” “ss”. “Você já almoçou?” “n”.
Me surpreendo com a economia de letras por um lado e do outro tento entender por que motivo acrescentam caracteres onde não deveriam existir. A nova onda é colocar um R no fim das palavras. Dessa forma o falecido “véi” da gíria juvenil acabou virando “veyer”.
E assim seguimos, “vivendor” e “aprendendor”, “nér”?
Este texto foi originalmente publicado no portal Avosidade, em 13/4/2021.
Vera, delícia de comentário. Mas no ocaso da minha septuagenagem, fico aliviado por minha neta mais nova estar com vinte anos.!