A 76ª Assembleia Geral da ONU será aberta na terça-feira pelo presidente da República do Brasil, como dita a tradição. Sem os conselhos nefastos do terraplanista Ernesto Araújo, substituído pelo chanceler Carlos Alberto Franco França, há até expectativas de que os vexames das duas edições anteriores não se repitam. Mas em se tratando de Jair Bolsonaro não há qualquer garantia. Se não for um grande mico já será lucro.
As participações de Bolsonaro em fóruns internacionais foram desastrosas – piorando o que já era péssimo a cada ano.
Na estreia, em 2019, ele causou perplexidade aos líderes mundiais reunidos em Davos, curiosos sobre o vencedor das eleições brasileiras. Em um discurso relâmpago, de apenas 8 minutos, Bolsonaro se auto-elogiou por ter chegado à Presidência gastando apenas U$ 1 milhão, e desfiou promessas genéricas, nenhuma cumprida. Uma delas cabe bem na semana em que ele, por decreto, aumentou a alíquota do IOF. “Vamos diminuir a carga tributária, simplificar as normas, facilitando a vida de quem deseja produzir e empreender, investir e gerar empregos.”
No mesmo ano, na ONU, a vergonha foi enorme. Suas palavras pareciam sair da garganta do auto-intitulado filósofo Olavo de Carvalho. Disse que tinha salvado o Brasil do socialismo e da “organização criminosa Foro de São Paulo, criada em 1990 por Fidel Castro”, e escancarou seu amor por Donald Trump. ONGs e países desenvolvidos foram acusados de se unirem contra a soberania nacional. E encerrou com uma mensagem patética contra o globalismo: “Esta não é a Organização do Interesse Global. É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer!”
Ciente de que a Amazônia e a questão indígena eram pontos nevrálgicos, Bolsonaro carregou a tiracolo a youtuber indígena Ysani Kalapalo, para que ela desse corpo às teses em favor da exploração mineral e agrícola em territórios demarcados. “O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas. Especialmente das terras mais ricas do mundo”, disse o presidente, destacando as reservas Ianomâmi e Raposa Serra do Sol como grandes detentoras de ouro, diamante, urânio e nióbio.
Também se valeu de Ysani para corroborar com as esdrúxulas teorias de que as queimadas da floresta são “praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência”. Em 2020, não só repetiu essa baboseira como acrescentou outra: “Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior”.
Nove meses depois de integrar a comitiva do presidente em Nova York, Ysani Kalapalo – que há tempos já não vivia em áreas indígenas – revelava a sua decepção: “Eu tinha muita expectativa de que o governo dele seria diferente, mas, depois de esperar e esperar, isso não está acontecendo”. Nada de novo. Bolsonaro fez com Ysani o que faz com todos, até com o mais servil aliado – usou e descartou.
Sérgio Moro é o exemplo mais acabado disso. Em 2019, tanto em Davos quanto na ONU, Bolsonaro apontou nominalmente o ex-ministro para dar lastro à promessa também não cumprida de que combateria a corrupção.
No ano seguinte, já sem Moro e sem ter nada para mostrar frente aos mortos empilhados pela pandemia e a multiplicação de incêndios de proporções amazônicas, Bolsonaro não quis participar do Fórum Mundial, mesmo o encontro tendo sido virtual. Na reunião da ONU, reduziu sua fala a loas à sua atuação na pandemia, jogando a culpa do insucesso no enfrentamento da Covid e da crise econômica nas costas dos governadores. Mentiu de novo ao assumir a paternidade do auxílio emergencial de R$ 600 – seu projeto era de R$ 200 – e sobre a atenção dedicada aos indígenas. Por fim, apelou em prol do combate à cristofobia, e afirmou ao mundo, sem ter credenciais para tal, que o Brasil é um país “cristão e conservador”.
Agora, Bolsonaro pretende defender o marco temporal. A tese pressupõe que a terra só pode ser demarcada se foi comprovado que os indígenas a ocupavam na data da promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988. O tema está em debate no STF, com placar de 1 x 1, tendo sido interrompido pelo pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes.
Na live de quinta-feira, Bolsonaro, para arrepio geral, adiantou a linha de defesa que fará na ONU. Vai dizer que o veto ao marco “é um perigo para a segurança alimentar do Brasil e do mundo”, o que é mentira deslavada. Antecipou também as estocadas belicosas que pode vir a dar: “tem gente lá fora pressionando por um novo marco”, disse, insistindo na teoria conspiratória de que o mundo desenvolvido quer intervir na soberania nacional.
Resta torcer para que o chanceler segure a fera, pois tudo indica que mais uma vexação está pré-contratada.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 19/9/2021.
Completo, perfeito, belíssimo texto da nossa Mary.
O que eu e os 213 milhões de brasileiros sabemos com a certeza é que Bolsonaro anda pelas ruas do Brasil aplaudido e reverenciado enquanto o presidente ladrão que foi eleito pelo STF não pode sair as ruas do Brasil, nem frequentar locais onde povo está presente que sempre será chamado de ladrão ou aquele coro tradicional de: Lula ladrão seu lugar é na prisão. O pior para esquerda que essa desavença com o ladrão será eterna. E tenho certeza que quando o nine falecer PT vai junto. Alckimin já está se levantando para o aquecimento. Outro ladrão pior que Luis Inácio da Silva.