Em meio às notícias no domingo sobre a iminente saída do sinistro Pesadelo, perdão, general Pazuello, tive um momento de esperança. No meio da tarde, escrevi no Facebook que tinha uma certeza e uma dúvida sobre a saída dele. A certeza era: pior não fica.
E tentei explicar o que estava sentindo, achando:
“Não existe ninguém na face da Terra que possa ser pior do que o General Pesadelo. Ah, mas não adianta nada se não mudar o Capitão da Morte, argumentam amigos. Eu digo que adianta, sim. Mesmo que as decisões finais sejam do Capitão da Morte, há área de manobra dentro do Ministério.
“Um técnico que entenda de saúde, que saiba o que é o SUS e saiba a diferença entre Amazonas e Amapá é melhor que o General Pesadelo.
“Minha dúvida é: um técnico que entenda de saúde, que saiba o que é o SUS e saiba a diferença entre Amazonas e Amapá aceitará trabalhar sob as ordens do Capitão da Morte? Pode ser. Na melhor das hipóteses, pode ser. Pode ser um profissional que assuma o risco de sujar seu nome, mas fazer um trabalho decente para o país, para os brasileiros. Pode ser. Quem sabe? Oremos.”
Eram umas 16h de domingo quando postei isso. Naquela hora, a dra. Ludmilla Hajjar ainda estava conversando com Jair Bolsonaro – mais tarde ficaríamos todos sabendo que, na sabatina a que ela foi submetida, estavam presentes também o grande especialista em Medicina Eduardo Fritador de Hambúrguer Bolsonaro e o próprio ministro Pazuello. E que, ainda durante o tempo em que ela falava com o presidente, o gabinete do ódio já fazia despejar nas redes sociais todo tipo de ataque a ela – inclusive, claro, ataques contando mentiras.
Meu momento de esperança passou muito rapidamente.
A verdade dos fatos é o que estão todas as pessoas lúcidas do Brasil dizendo. “Não adianta trocar as rodas da carroça se o problema está no Burro.”
Esta foi uma meme até que bastante gentil.
O Estado de S. Paulo, do alto de seus 146 anos de existência, foi ainda mais incisivo do que a meme que percorreu as redes sociais. Eis um trecho de seu editorial desta terça-feira, 16/3:
“Bolsonaro é, na prática, o ministro da Saúde. Nessa condição, menosprezou a dimensão da pandemia, fez campanha contra a vacinação, estimulou os brasileiros a se automedicarem com remédios inócuos contra o coronavírus, ofendeu doentes e mortos, desmoralizou todas as medidas de isolamento destinadas a conter a covid-19 e ainda desdenhou dos cuidados mínimos para evitar contaminação, como o uso de máscara e o distanciamento social.”
E, para enterrar de vez qualquer tipo de ataque de esperança como o que tive no domingo, o editorial prossegue:
‘Logo, não é possível sequer imaginar que, diante desse comportamento do presidente da República, o Ministério da Saúde, sob a direção de quem quer que seja, será capaz de atuar tendo a ciência e o bom senso como norte. Quem tentou, antes de Pazuello, perdeu o emprego.”
Na tarde desta terça-feira, o novo ministro, o médico cardiologista Marcelo Queiroga, o quarto a ocupar o cargo de ministro da Saúde do ministro da Saúde Jair Bolsonaro, deu entrevista ao lado do sinistro Pesadelo assegurando que vai continuar a política determinada pelo presidente da República.
Como muito bem resumiu um post do MBL nas redes: “Bolsonaro é o ministro da Saúde e só sairá de lá com o impeachment”.
É isso. É simples assim.
É preciso tirar Bolsonaro de lá.
A cada dia Bolsonaro comete mais um crime de responsabilidade.
Bolsonaro luta incansavelmente contra a democracia, prega a ditadura.
E é um terrível inimigo de quem luta para diminuir os efeitos da pandemia. Trabalha ininterruptamente a favor do novo coronavírus.
#Impeachment Bolsonaro!
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Bolsonaro, ministro da Saúde
Editorial, O Estado de S.Paulo, 16/3/ 2021
A incompetência do intendente Eduardo Pazuello para exercer o cargo de ministro da Saúde, algo especialmente grave em meio à pandemia de covid-19, já está sobejamente comprovada. Portanto, sua substituição, cogitada no fim de semana, tornou-se há muito tempo um imperativo. Em defesa de Pazuello, contudo, deve-se enfatizar que, assim como jabuti não sobe em árvore, sua presença no Ministério da Saúde, a despeito de seu evidente despreparo, só se materializou porque o presidente Jair Bolsonaro o colocou lá.
Mais: malgrado tenha cometido inúmeros erros de sua própria lavra, Pazuello foi sabotado por Bolsonaro nas escassas ocasiões em que tentou acertar – como quando se dispôs a assinar um protocolo de intenções com o governo paulista para aquisição de vacinas produzidas pelo Instituto Butantan e foi desautorizado publicamente, de forma humilhante, pelo presidente. Qualquer um com amor próprio teria pedido as contas no ato; mas não Pazuello, que se limitou a admitir que estava no cargo apenas para cumprir ordens.
O intendente é o terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro, colocado ali depois que os dois anteriores se recusaram a fazer o triste papel que lhes atribuía o presidente. Bolsonaro é, na prática, o ministro da Saúde.
Nessa condição, menosprezou a dimensão da pandemia, fez campanha contra a vacinação, estimulou os brasileiros a se automedicarem com remédios inócuos contra o coronavírus, ofendeu doentes e mortos, desmoralizou todas as medidas de isolamento destinadas a conter a covid-19 e ainda desdenhou dos cuidados mínimos para evitar contaminação, como o uso de máscara e o distanciamento social.
Logo, não é possível sequer imaginar que, diante desse comportamento do presidente da República, o Ministério da Saúde, sob a direção de quem quer que seja, será capaz de atuar tendo a ciência e o bom senso como norte. Quem tentou, antes de Pazuello, perdeu o emprego.
A esta altura, a esperança de uma mudança de direção no governo reside na pressão eleitoral, a única que move Bolsonaro. A perda acelerada de popularidade do presidente por conta da condução irresponsável da crise, com seus múltiplos efeitos trágicos, já fez Bolsonaro pelo menos reduzir sua hostilidade à vacinação.
De uma hora para outra – notadamente desde o ressurgimento do petista Lula da Silva no cenário eleitoral, com um discurso a favor da vacinação –, Bolsonaro passou a posar de campeão da imunização. Também cedeu à pressão política pela substituição do ministro Pazuello, hoje completamente desacreditado em todas as áreas envolvidas na luta contra a pandemia.
No fim de semana passado, Bolsonaro sondou, para o lugar de Pazuello, a cardiologista Ludhmila Hajjar, nome que imediatamente ganhou apoio de expoentes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Sua nomeação representaria uma guinada radical na condução do Ministério da Saúde, pois a médica é conhecida pela defesa da vacinação e das medidas de isolamento social e por sua oposição firme ao “tratamento precoce” com cloroquina e outros elixires caros aos bolsonaristas.
A esperança de mudança durou poucas horas. Assim que se soube que Ludhmila Hajjar havia se reunido com Bolsonaro para discutir sua eventual nomeação, as redes sociais bolsonaristas reagiram com especial virulência, atacando a cardiologista como se fosse uma inimiga do Brasil.
Com bom senso, a doutora Ludhmila recusou o convite, informando o óbvio: que não houve “convergência” entre ela e Bolsonaro, pois o presidente não mudou de ideia sobre a pandemia, ao contrário do que seus marqueteiros pretendem fazer o País acreditar. E acrescentou que foi ameaçada de morte pelos camisas pardas que idolatram o presidente – o que dá a dimensão da loucura que o bolsonarismo inoculou no Brasil.
No mesmo momento em que Bolsonaro fingia interesse em melhorar o Ministério da Saúde, bolsonaristas – devidamente aglomerados e sem máscara – se mobilizavam em diversas capitais em manifestações contrárias às medidas de isolamento social e, de quebra, a favor de uma intervenção militar. É a esses celerados, e só a eles, que Bolsonaro dá ouvidos.
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Pazuello jamais deveria ter assumido o cargo
Editorial, O Globo, 16/03/2021
A saída do general Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde — ele será sucedido pelo cardiologista Marcelo Queiroga — acontece com dez meses de atraso. Sem experiência ou conhecimento na área da Saúde, jamais deveria ter assumido cargo de tamanha importância em plena pandemia. Só assumiu, em maio passado, por dizer amém às barbaridades mais estapafúrdias do chefe, ao contrário dos médicos que o antecederam, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Pazuello foi escolhido para que o presidente Jair Boslonaro passasse a controlar a agenda do ministério, antes sujeita a critérios mais técnicos que políticos.
Em nome dessa agenda, um de seus primeiros atos foi alterar o protocolo para uso da cloroquina, droga comprovadamente ineficaz contra a Covid-19 que passou a ser recomendada em todas as fases de tratamento. Ao mesmo tempo que dava início à produção em massa de cloroquina nos laboratórios do Exército, o governo desdenhava as vacinas e desprezou diversas oportunidades de garantir doses aos brasileiros.
A missão de Pazuello ficou clara no episódio da compra de vacinas do Instituto Butantan, de São Paulo. Num raro momento em que ousou discordar do presidente, Pazuello assinou um protocolo para comprar 46 milhões de doses da CoronaVac. Bolsonaro o desautorizou dizendo que não compraria a “vacina do Doria”. “Um manda, o outro obedece”, disse então um conformado Pazuello. A frase define sua gestão. A escassez de vacinas levaria Bolsonaro a voltar atrás. Hoje a CoronaVac responde por 75% dos vacinados no Brasil.
Sob Pazuello, o Programa Nacional de Imunização, outrora modelo para o mundo, tornou-se motivo de desespero. Em quase dois meses de campanha, o país vacinou menos de 5% da população. Para março, ele prometera 46 milhões de doses. Depois de um festival de hesitação, o número baixou para 25 milhões. Sem honrar os cronogramas que ele próprio apresentava, prefeitos e governadores se mobilizaram para comprar vacinas por conta própria.
A marca da gestão Pazuello foi ter tornado o Brasil epicentro global da pandemia, com quase 280 mil mortos. Em virtude do hábitat propício às novas variantes, nos tornamos um risco para o planeta. Seu legado mais tenebroso foi a tragédia em Manaus, onde pacientes morreram sem oxigênio. A responsabilidade de Pazuello pela situação no Amazonas está sob investigação. Há evidências de que foi alertado para a falta iminente de oxigênio, mas demorou a agir. Ele nega. É fato que a força-tarefa do SUS em Manaus fazia relatos diários da escassez. Só Pazuello não sabia. No curso das investigações, não soube dizer nem a data em que foi informado da baixa dos estoques: disse que foi 8 de janeiro, depois 10, 11, 18…
Na semana passada, enquanto o sistema de saúde entrava em coma por todo o país, Pazuello disse que não havia colapso. A gestão das vacinas segue catastrófica. No Rio, a campanha foi interrompida pela segunda vez. As trapalhadas vinham incomodando os militares. Por Pazuello ser general da ativa, passou a contaminar a imagem das Forças Armadas com seu desgaste. Enfrentava resistência de governadores, prefeitos e secretários de Saúde.
Pelo conjunto da obra, a saída de Pazuello era inevitável. Devemos torcer para Queiroga promover uma mudança completa no ministério, mesmo sabendo que o ministro de fato — Bolsonaro — permanece. O país não aguenta mais tanta incompetência.
16/3/2021
Este post pertence à série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro”.
A série não tem periodicidade fixa.
Chega de mimimi; Impeachment já. (41)
Reportagem mostra como Bolsonaro faz campanha eleitoral e espalha o vírus Brasil afora. (40)
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