Por que Bolsonaro faz tudo para esvaziar o COAF

O recente corte dos recursos destinados a modernizar a UIF (Unidade de Inteligência Financeira), antigo COAF, determinado pelo presidente da República no início do mês de maio, guarda total coerência com as medidas anteriores de Bolsonaro, que nunca simpatizou com o órgão.

O COAF sempre foi considerado muito eficiente em alimentar a Receita Federal e o Ministério Público com informações sobre transações bancárias sob suspeita de lavagem de dinheiro, ou casos ocultação de patrimônio. Nos últimos dias a UIF esteve nas manchetes da imprensa, que ainda prefere o nome COAF, ao detectar movimentações financeiras suspeitas de pelo menos R$ 1,7 milhão realizadas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Apesar da sua contribuição fundamental para enviar muitos corruptos para a cadeia, nem por isto o COAF caiu nas graças do novo presidente. Logo que assumiu o governo, uma das primeiras providências de Bolsonaro foi começar a desmobilizar o órgão.

O COAF foi reformulado, teve até seu nome modificado para UIF, e foi mandado para o Banco Central, bem longe da Receita Federal. Só faltou mandarem salgar o solo das salas que ele ocupou durante anos no antigo Ministério da Fazenda, hoje Ministério da Economia.

O órgão incomodava demais os corruptos, ao monitorar todas as transações bancárias acima de R$ 10 mil e compartilhar aquelas mais suspeitas com a Receita Federal.

Era um verdadeiro inferno para os lavadores de dinheiro quando técnicos do COAF e os auditores da Receita trabalhavam em salas vizinhas, no Ministério da Economia, trocando figurinhas.

Muitos desses trabalhos conjuntos resultavam em denúncias da Receita para o MPF e em mandados de prisão cumpridos pela Polícia Federal, durante o Mensalão e o Petrolão.

Mas não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe. Lembram-se dos diversos depósitos fracionados de Flávio Bolsonaro quando era deputado estadual no Rio de Janeiro? Em vez de optar pelo atendimento VIP para deputados, oferecido pela agência bancária da Alerj, sem fila e com direito a cafezinho, o que ele fazia?

Preferia, estranhamente, realizar no caixa eletrônico da mesma agência uma sequência interminável de depósitos de pequeno valor, bem abaixo do fatídico limite de R$ 10 mil. Fracionava dessa forma um grande depósito de dinheiro que poderia ter sido feito muito mais rapidamente em uma só operação.

Claro que tudo pode não passar de coincidência, mas são bastante conhecidos os recursos utilizados pelos corruptos para escapar do monitoramento de transações bancárias feito pelo antigo COAF: fracionar saques e depósitos em valores menores do que R$ 10 mil e, principalmente, trabalhar com dinheiro vivo, dificilmente detectável.

Também recorrem à compra de imóveis, ou montam estabelecimento comerciais de fachada, com lucros muito acima do padrão, para lavar dinheiro de origem criminosa.

Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro há 35 anos, também já foi monitorado pela fiscalização realizando, com frequência inexplicável, dezenas de pequenos saques, em várias agências de bairros diferentes do Rio de Janeiro. Flávio e Queiroz caíram na rede porque o COAF e a Receita, depois que ligam o sinal de alerta, costumavam revisar todas as transações do suspeito, mesmo as de pequeno valor.

Essas transações detectadas pelo COAF, quando não devidamente explicadas, podem levar a mal-entendidos. Como se sabe, já chegaram até a fazer Bolsonaro ameaçar bater em um jornalista que perguntou sobre os depósitos feitos na conta da primeira-dama pelo velho amigo de churrascos e pescarias.

A Receita e o MPF se interessam muito por indícios de lavagem de dinheiro feita por meio de compra de imóveis, pagos total ou parcialmente com dinheiro vivo. E a imprensa já divulgou dados de escrituras em cartório de diversos imóveis de Flávio Bolsonaro nas quais estão registrados pagamentos em dinheiro vivo.

A mesma suspeita recai sobre os excepcionais lucros da sua franquia de chocolates, muito acima da média de todas as outras lojas da marca.

O valoroso Flávio Bolsonaro lutou muito para impedir a quebra do seu sigilo bancário e fiscal. Lutou demais também para impedir o compartilhamento de dados entre Receita e COAF. Por fim, aderiu ao instituto do foro privilegiado, que a família dele inteira tanto combateu nas eleições de 2018.

Essa luta toda aconteceu quando o MP-RJ o acusou de lavagem de dinheiro público roubado, mediante a compra e venda de 19 imóveis no Rio de Janeiro.

Obviamente, se não houver resistência patriótica, a UIF, a Receita e o Ministério Público vão acabar abusando, puxando o fio da meada e fazendo uma devassa no patrimônio imobiliário do resto da família.

Até este momento, foram identificados pelo Ministério Público 37 imóveis supostamente ligados ao senador e sua família. Estão sob exame 14 apartamentos e 23 salas comerciais em Copacabana, Botafogo, Barra da Tijuca e Jacarepaguá, além da fabulosa loja Bolsotini Chocolates e Café Ltda, que Flávio, aliás, tratou de vender rapidamente após o noticiário negativo.

Por outro lado, recentemente, pressões e pedidos de punição de integrantes da Receita e do antigo COAF foram noticiadas na imprensa. O azar é que esses funcionários impertinentes são concursados, protegidos pela legislação e dificilmente removíveis de suas funções. E não costumam ficar calados.

Mas nada impede um governo de desmontar órgãos, cortar verbas de fiscalização, ou trocar chefias. Afinal, não é só o Ministro Ricardo Salles que sabe aproveitar a distração provocada pelo noticiário sobre a Covid-19 para “Ir passando a boiada”.

Não se sabe exatamente que tipo de preocupação administrativa levou Bolsonaro a afastar o COAF de perto da Receita Federal. Muito mais difícil é entender a reprovação dele justamente depois dos resultados alcançados pelo monitoramento que alimentava Receita, Polícia Federal e Ministério Público com informações sobre as transações financeiras de tanta gente que foi parar na cadeia.

Mas, quem disse que em time que está ganhando não se deve mexer? Ao contrário do que certa vez pediu Temer, Bolsonaro resolveu que não tem que manter isso, viu? É o presidente. Ele manda e os outros obedecem.

Moro tentou diminuir o prejuízo, pedindo insistentemente que o COAF fosse, então, enviado para o Ministério da Justiça. Mas Bolsonaro não gostou da ideia. Mudou o órgão para o Banco Central, que vai passar alguns anos tentando aprender a fazer o que o pessoal especializado da Receita Federal já fazia perfeitamente há anos em dupla com o COAF.

Outra grande coincidência favorável a Flávio Bolsonaro foi a extinção repentina, em março, do Grupo de Atuação Especializada e Combate à Corrupção (GAECC), núcleo do GAECO do Rio de Janeiro, que o investigava no caso das rachadinhas. A exemplo dos funcionários do COAF, os investigadores do GAECC, já bastante familiarizados com o caso, não apreciaram muito a medida, que também transferiu a atribuição para um novo setor.

A cereja do bolo dessas modificações patrióticas seria a proibição do compartilhamento automático com a Receita Federal dos dados monitorados pelo antigo COAF. Flávio havia entrado com recurso no STF alegando ilegalidade nesse tipo de colaboração entre os dois órgãos.

Mas, por 9 a 2, o plenário do STF reafirmou a constitucionalidade do compartilhamento de informações.

No final das contas, considerando a drástica intervenção feita anteriormente por Bolsonaro no órgão, fica evidente que o inesperado teria sido o governo manter a verba para a modernização da UIF.

Afinal, nada seria mais ilógico do que premiar um órgão tão antipático, que desde o início do governo passou a ser tratado claramente como insatisfatório aos interesses da atual administração federal. 

Maio de 2021

Um comentário para “Por que Bolsonaro faz tudo para esvaziar o COAF”

  1. Este Desgoverno, com presidente réu confesso como criminoso Sonegador contumaz, e q ensinou as ex mulheres e filhos a também sonegarem e serem adoradores de Torturadores e Milicianos os quais ainda Condecoraram tais Milicianos! Genocida e Negacionista Fúnebre com as 464.000 Vidas e Amores Perdidos! Triste dos q votaram nesse Bozovírus!

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