Até pela natureza de seus negócios, via de regra empresários são pró-governo, seja ele qual for. Desde a redemocratização em 1985, apenas no final do governo Dilma Rousseff adotaram postura oposicionista. Exatamente por isso, o significado do manifesto assinado por mais de 200 entidades e empresários – por ora com divulgação suspensa por decisão monocrática do presidente da Fiesp, Paulo Skaf – vai bem além do seu teor, interpretado como anódino por muitos analistas.
O texto representa uma mudança de postura diante de Jair Bolsonaro desde a sua eleição, quando, encantados com o discurso ultraliberal de Paulo Guedes, o apoiaram. Ainda que tenham tido toda cautela do mundo para não citar expressamente o governo, é mais do que óbvio a quem os signatários se dirigiam ao pregar a “harmonia entre os poderes”.
Os empresários têm plena consciência de que quem hoje conspira contra “a estabilidade e a segurança jurídica e harmonia”, essenciais para a nação e o ambiente de negócios.
Se dúvidas havia, o próprio governo se encarregou de dirimi-las ao disparar a operação para evitar a divulgação do manifesto. A Febraban, principal entidade na articulação da iniciativa, passou a ser objeto da ira governamental e alvo de críticas do ministro da Economia. Guedes responsabilizou a entidade dos banqueiros pelo que considerou conteúdo oposicionista do manifesto. Em represália, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil ameaçaram se desfiliar da Febraban. Enfim, o governo passou recibo, acusou o golpe.
Sem interlocução com o mundo da produção e das finanças, o governo teve de apelar para o presidente da Câmara, Arthur Lira, para convencer Skaf da suspensão da divulgação. Esse papel caberia a Paulo Guedes. No limite, a outro membro da equipe econômica, mas o desarranjo institucional causado por Bolsonaro lacrou os canais de diálogo.
Verdade, as palavras empregadas no texto dos empresários foram extremamente prudenciais. Dificilmente poderia ser diferente, por representar a média do pensamento do setor privado. Mas nele há segmentos bem mais assertivos, como atestam a posição da Febraban e o manifesto dos agronegócios. Esse, sem meias palavras na defesa dos 30 anos de democracia e da alternância do poder.
O pano de fundo do descolamento é, por um lado, a crise econômica, e por outro, a radicalização de Bolsonaro. A deterioração das expectativas decorre de erros cometidos pela equipe de Guedes, mas também da instabilidade política gerada pela escalada radical do presidente, que poderá saltar de patamar no Sete de Setembro se ele persistir na mesma toada.
O ex-presidente Castello Branco dizia que “é fácil entrar numa ditadura, difícil é sair dela”. Isso pode ter sido verdade nos anos 60, nos tempos da guerra-fria e de um Brasil menos complexo. Bolsonaro deve estar descobrindo que já não é tão fácil assim. A sociedade brasileira sofisticou-se de lá para cá.
O país conta com estruturas civis articuladas e ativas. Sua economia é extremamente integrada à mundial, o arcabouço institucional construído na Constituição de 1988 tem se demonstrado resiliente, apesar dos pesares. E os freios e contrapesos próprios de uma sociedade organizada em um Estado de Direito Democrático não se limitam apenas aos aparelhos do Estado. A eles somam-se uma imprensa consciente do seu papel e organizações civis, formando aquilo que Gramsci chamou de Estado ampliado, existente no mundo ocidental.
Bolsonaro está sentindo agora o grau de resiliência desse Estado ampliado. Talvez por isso venha modulando o tom das manifestações de 7 de Setembro. Se antes entendia os atos do Dia da Independência como uma demonstração de força para avançar em sua estratégia, passou a jogar na defensiva para não tornar irreversível o consenso nacional em torno do seu impeachment.
Quanto à sua relação com o PIB, essa trincou de vez. Como o relógio corre contra o presidente, o empresariado já está em busca de um presidenciável que encarne o espírito da pacificação pregado pelo manifesto. A Praça é dos Três Poderes.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 1º/9/2021.