Motociata das Arábias

Ele pode não ter porrete para dar o golpe que gostaria de dar, mas tem maluquice de sobra sob o capacete para dar golpes de publicidade inesperados, para não dizer tresloucados. Eu nem acreditei quando vi o homem e sua escolta desfilando de motocicleta nas Arábias. Temos aí uma nova forma de fazer campanha eleitoral: se não é no asfalto ou dentro d’água, é nas areias do deserto. E não importa se é em Brasília, na Praia Grande ou em Dubai. Em qualquer lugar e a qualquer hora, é sempre hora de fazer alguma coisa muito ridícula para chamar a atenção.

O eleitorado dele deve estar bem satisfeito. Terminou a campanha de 2018 engrossando a voz contra a corrupção e o Centrão, e entra no ano eleitoral de 2022 de mãos dadas com o Centrão e carregando processos por peculato que arrastam um bom pedaço da famiglia para a cadeia. O vexame não faz o menor efeito sobre 20 e poucos por cento do eleitorado que declara votar nele incondicionalmente. Para esses é tudo invenção da imprensa.

Mas, alguma coisa está mudando. Ele já teve muito mais aprovação, e se não me engano foi eleito no segundo turno com 57% dos votos. Hoje, perde para todos os seus rivais no segundo turno de 2022, sejam eles quais forem. É até provável que nem vá para o segundo turno, pois nem segundo turno haverá. Seu principal adversário está pintando dar capote em primeiro turno.

O inventário desse desastre eu deixo para os analistas mais pacientes, que saberão listar uma a uma as lambanças de seu governo. Vou citar só três, que são determinantes. Primeiro, o desemprego em massa que promoveu, com uma política econômica errática e vazia seguida de uma catastrófica atuação durante a pandemia. Segundo, uma inflação jamais vista no último quarto de século no país, que junto com o desemprego tirou a comida do prato de 30% da população e deixou outros 30% de prato quase vazio. Terceiro, os reajustes pífios e cruéis do salário mínimo, ao mesmo tempo em que agraciou os militares com aumentos incabíveis e acena agora, demagogicamente, com gordos aumentos de salários para o funcionalismo federal.

São como marcas de ferro incandescente no lombo da bezerra. Ninguém tira mais. Há coisas que o povo, mesmo mal informado e desinformado pela mentira oficial, enxerga e não esquece. Os apoiadores palacianos e parlamentares acham que a esmola de R$ 400 mensais até dezembro do ano que vem será suficiente para reeleger o chefe. E a esmola nem está garantida, sendo que o mundialmente premiado Bolsa Família já foi sumariamente extinto.

E aqui chego à pá de cal na sepultura do ex-tenente ou capitão. Ele acabou com um programa perene feito com lógica e princípio, para pôr no lugar um programa mambembe e estapafúrdio, feito com verbas transitórias e com data para acabar. Essa sim é a própria cara desse governo. O monstrengo em que transformaram o Enem é só um figurante.

Nelson Merlin é jornalista aposentado, desocupado e estarrecido. 

Novembro de 2021

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