Quando eu era meninota, lá pelos idos de mil, novecentos e bolinha, minha mãe me levou para fazer o catecismo, que era uma espécie de cursinho para receber a primeira comunhão.
Lá aprendi que Deus era o criador do Céu e da Terra e também dos homens (tinha mulher também, mas só apareceu mais tarde, depois de Adão ter passado por uma cirurgia da coluna para a retirada de uma costela).
Ensinaram que Ele era mais ou menos como o Papai Noel, o bom velhinho, que recompensa com presentes quem é bonzinho e castiga os que não são exatamente o que se espera de um bom cristão. (Tinha tanto medo disso. Qualquer palavrãozinho e já vinha alguém nos alertando: Cuidado, Deus castiga! Até perdia o sono quando pensava que tinha chamado minha colega de classe de fiadaputa só porque ela não me emprestava um lápis de cor.)
Outra coisa que faziam questão de ensinar é que não devíamos dizer Seu santo nome em vão. À época nem entendia muito bem o que era isso, ficava pensando que em outros ambientes se podia falar à vontade. Quando cresci descobri o verdadeiro sentido do ensinamento, mas não entendia por que muitos da classe política seguiam citando o santo nome em vão, sem medo do castigo.
Hoje em dia, ouvindo os discursos dos políticos terrivelmente evangélicos, que colocam Deus acima de tudo, percebo que fui ludibriada pela minha professora de catecismo.
Eles fazem o Diabo com essa frase, e nem se preocupam com um eventual castigo. Um exemplo? Na sabatina de admissão ao Supremo o candidato André Mendonça foi questionado sobre casamento gay pelo senador Fabiano Contarato. Sua resposta: “Defenderei o direito constitucional do casamento civil entre as pessoas do mesmo sexo”. Nesse momento explodiu uma bomba no recinto atingindo em cheio a turminha que vê Deus do alto da goiabeira. Na tentativa de “reparar o erro” do candidato, alguns técnicos da seleção evangélica se justificaram perante a torcida da Bíblia dizendo que era só “uma resposta treinada e calculada”.
Como assim? Quer dizer que ele mentiu? Malafaiou? Colocou a mentira acima de tudo só para ficar bem na fita?
E aquela manifestação dos senadores evangélicos logo após o término da sabatina que aprovou André Mendonça como o novo ministro do STF? Foi praticamente um encerramento de culto com um uníssono Amém por parte dos “fiéis”.
Cazzo, se o Estado é laico, eles deveriam comemorar na casa do Senhor, onde não existe Satanás, em vez de comemorar na nossa casa. Sim, essa é a casa de cada um dos brasileiros que paga impostos, banca os salários de todos que estão lá, sejam eles católicos, evangélicos, espíritas, judeus, muçulmanos, umbandistas ou até mesmo ateus.
Não entendo essa bancada evangélica do Congresso. Cada um tem um partido diferente mas todos estão empenhados no avanço da religião dentro da política, trocando votos por interesses. Pois eles deveriam fundar o próprio partido para que incautos não caiam em suas ladainhas. Sugiro PDD – Partido Do Dízimo.
Assim que acabou a votação apertada (quase fica de recuperação), fez seu discurso de ministro do Supremo (ele leva isso ao pé da letra), e, achando que tinha chegado na Lua, plagiou o astronauta Neil Armstrong com a frase “um passo para o homem, mas um salto para os evangélicos”.
Muito topete (recém adquirido através de implante de cabelo) desse senhor, nénão? Qualé, Dedé? Tá achando que vai transformar o Supremo Tribunal Federal em um templo?
Não é por aí. E muito menos será se, no transcorrer dos trabalhos, sentenças favoráveis ao padrinho ou aos filhos do padrinho venham ocorrer. Saiba que serão muito malvistas pelos olhos de d’Ele e pelos homens de boa vontade.
Cuidado, Deus castiga!
Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 3/12/2021.