As manobras contorcionistas para driblar a decisão do STF de tornar públicos os demandantes e os beneficiários das emendas do relator ao orçamento de 2020 e 2021 estão pondo a perder a aura que Rodrigo Pacheco tenta construir em torno de si. O bom moço, que se vende como pacificador de conflitos, meteu-se de corpo e alma no imbróglio, autorizando que se pense que ele tem muito a perder se os segredos vierem à tona.
Com apenas 45 anos, recém completados há um mês, Rodrigo Otavio Soares Pacheco é um fenômeno. Sua carreira meteórica começou em 2014, quando foi eleito deputado federal pelo então PMDB. Nem bem estreou na Câmara, virou vice-presidente e depois presidente da Comissão de Constituição e Justiça, a principal da Casa. Em 2016, ficou em terceiro lugar na disputa para a Prefeitura de Belo Horizonte, com 10% dos votos e muita exposição na propaganda eleitoral gratuita e em debates. Não conseguiu ser candidato ao governo do Estado em 2018, mesmo depois de trocar o MDB pelo DEM, sigla pela qual se elegeu ao Senado com mais de 3,6 milhões de votos, melhor performance já registrada em Minas Gerais. Dois anos depois, o jovem senador alcançou a cadeira mais cobiçada do Congresso.
O cargo permitiu que ele começasse a construir moldura no currículo. Fez contraponto ao seu antecessor Davi Alcolumbre e ao presidente da Câmara, o açodado e leal escudeiro do governo de Jair Bolsonaro Arthur Lira.
Ao contrário de Lira, que atropelou o regimento, tudo e todos para votar matérias de interesse do Planalto, com maiorias irrigadas pelo generoso orçamento secreto, Pacheco era a voz da serenidade, do equilíbrio. Chegou a criticar Bolsonaro publicamente diante das ameaças ao STF e à democracia, feitas no 7 de setembro, e a devolver de pronto uma Medida Provisória, com a qual o presidente pretendia limitar a remoção de conteúdos publicados nas redes sociais. Ao mesmo tempo, agradou ao governo com o corpo mole quanto à CPI da Pandemia, que ele só instalou por determinação do Supremo.
Acendendo velas ora para Deus, ora para o diabo, Pacheco conseguiu aumentar velozmente sua estatura, a ponto de ser o escolhido candidato à Presidência da República pelo safíssimo Gilberto Kassab, que não costuma dar ponto sem nó. Enxerga o novo afilhado como o vice ideal para qualquer um dos lados. A filiação de Pacheco ao PSD – seu terceiro partido em menos de sete anos – se deu em uma cerimônia cheia de simbolismos, realizada no Memorial Juscelino Kubitschek, a quem o mineiro de Passos, nascido em Porto Velho, Rondônia, gostaria de ser associado.
O orçamento secreto, que até há pouco era pecado atribuído quase exclusivamente à Câmara, sob o comando Lira, enredou Pacheco de tal maneira, que ele abandonou a mineirice e passou a ser o principal interlocutor da matéria – com unhas e dentes – não só no Congresso, que aprovou a absurda legalização do sigilo e o relaxamento geral das regras para o próximo ano, como no Supremo. Cego, talvez pelo desespero, chegou a dizer que os bilhões empenhados no escurinho do Congresso iriam “salvar o país”.
Mentiu deslavadamente à Corte ao assegurar que não era possível saber os nomes dos parlamentares beneficiados pelas emendas secretas, com a esdrúxula argumentação de que a identificação não era exigida em 2020 e 2021. A patacoada foi desmascarada pelo próprio Senado, por meio de um parecer técnico assinado pelo consultor Fabio Bittencourt, no qual destrói a tal “impossibilidade fática” de revelação de autoria, alegada por Pacheco, “porque o que manda a liminar não é estabelecer retroativamente um procedimento para registro de demandas, mas sim divulgar os elementos e documentos que já existem”.
Sem êxito nas conversas para demover a exigência de transparência feita pela ministra Rosa Weber e endossada pela maioria da Corte, na sexta-feira Pacheco topou ceder em parte. Por meio da Advocacia do Senado, comunicou ao STF que solicitara ao relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), a revelação dos nomes dos parlamentares envolvidos. Mas, possivelmente por confiar na memória curta do país e não atrapalhar negociações políticas em curso, fixou o dilatadíssimo prazo de 180 dias para cumprir a determinação e ainda deixou brechas de escape. Quanto a 2020, cujo orçamento foi relatado pelo deputado Domingos Neto (PSD-CE), não deu um pio. Muito menos Lira.
A distribuição sigilosa de bilhões dos impostos dos cidadãos na barganha do toma lá dá cá, em obras superfaturadas, com maços de dinheiro que recheiam pacotes e bolsos, é um acinte que perpetua o que há de mais podre na política. É nesse lamaçal que Pacheco afoga a sua biografia. Resta saber se isso o afasta ou o aproxima do posto de vice de Lula, com quem o PSD sonha fazer dobradinha.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 5/12/2021.