Com que roupa o PSDB vai

Mais do que o nome, no caso João Dória, vencedor das prévias internas, os tucanos precisam definir qual será a sua cara na sucessão presidencial.

Desde o fim do governo Fernando Henrique Cardoso o PSDB vive em crise de identidade. Paulatinamente foi perdendo sua alma socialdemocrata – personificada por nomes como Mario Covas, Franco Montoro, José Serra ou FHC – transmutando-se de um partido originalmente de centro-esquerda para um de centro-direita.

Depois de ter consolidado o Plano Real, responsável pelo fim da inflação, e ter sido responsável pela estabilização da economia, pela modernização do Estado e por avanços importantes na educação e na saúde, o partido não soube defender seu legado. Também não gerou um novo projeto para o país. Em vez disso, rendeu-se ao antipetismo estéril, chegando a criar um grave precedente em 2014, ao questionar a lisura da eleição, quando da derrota de Aécio Neves.

A inflexão dos tucanos acompanhou a tendência da sociedade para o conservadorismo, que, quatro anos depois, redundou na eleição de Jair Bolsonaro e levou o PSDB a ter uma bancada de parlamentares orbitando majoritariamente em torno do bolsonarismo.

A crise do PSDB não foi criada por João Doria, até porque ela antecede seu ingresso na política, em 2016.

O governador paulista é um obstinado, e isso é um mérito. Venceu as três prévias que disputou e realiza um bom governo em São Paulo. Ninguém pode negar a sua contribuição ao país na pandemia ao enfrentar o negacionismo de Bolsonaro e apostar forte na vacina como estratégia para vencer a COVID-19.

A questão agora é se Doria será capaz de dar um perfil aos tucanos mais condizente com a realidade do pós-pandemia, na qual a desigualdade, o desemprego e a fome vão compor a agenda que polarizará a disputa do próximo ano. O discurso liberal tem pouco apelo eleitoral em função da gritante crise social. Mesmo na maior economia liberal do planeta, o governo de Joe Biden adota uma agenda social e econômica com forte injeção de recursos do Estado. A afirmação de que nas crises todos são keynesianos se aplica aos dias atuais.

Até Bolsonaro já percebeu isso e adotou um programa social – o Auxílio Brasil. Ele parte de uma jogada eleitoreira, sem sustentação nos números da economia, que pode estancar a sangria de sua popularidade e contribuir para sua passagem para o segundo turno das eleições presidenciais. Na outra ponta, Lula tem um verniz social enraizado no imaginário de parte ponderável do eleitorado.

Doria e os outros candidatos da terceira via precisam definir o que têm a oferecer nesta seara, vital para o brasileiro definir seu voto.

Desde 2002 o PSDB desfilou na passarela da disputa presidencial sem harmonia em suas alas, a exceção da disputa de 2014, na campanha de Aécio Neves. No mais, seus presidenciáveis foram abandonados ao próprio destino, quando não foram cristianizados.

O primeiro grande desafio de Doria é selar minimamente uma unidade interna, sem a qual é quimera pensar em ser o nome da terceira via. Isto é fundamental para ser o polo unificador de uma alternativa à polarização Bolsonaro-Lula.

Outro obstáculo é o congestionamento desse campo, com uma miríade de candidatos. O tucano entra na corrida no pelotão de trás das pesquisas eleitorais. Como a disputa presidencial é uma maratona, e não uma corrida curta, isto representa apenas o ponto de partida e não necessariamente o de chegada.

Mas na raia na qual o tucano vai para a disputa, está também o ex-juiz Sérgio Moro, por enquanto com mais poder de atração do eleitorado órfão da Lava-Jato e da parcela que esteve com Bolsonaro, mas se decepcionou com o governo. O figurino de Moro está claramente delineado: sua peça de resistência é a bandeira anticorrupção, tão sensível a amplos setores da classe média.

João Doria parece ter consciência da necessidade de dar demonstrações de sua capacidade de superar obstáculos aparentemente intransponíveis. Seus primeiros movimentos pós prévia mostram um duplo objetivo: unir seu partido e a terceira via.

Eles são corretos, mas há forte ceticismo quanto ao êxito de sua estratégia. A iniciativa de convidar Eduardo Leite para coordenar sua campanha não encontrou receptividade e não é crível que a maioria da bancada tucana, hoje sob a liderança de Aécio Neves, levante a bandeira de sua candidatura. Sem falar na ruptura de Geraldo Alckmin com o PSDB. A divisão continua sendo uma espada sobre a cabeça do vencedor da prévia tucana.

Por outro lado, seu discurso de união da terceira via esbarra no fato de que ainda está para nascer na história eleitoral do país um candidato melhor ranqueado nas pesquisas abrir mão para outro com menor índice de intenção de votos.

Para lograr êxito, Doria terá de pontuar à frente de Moro nas pesquisas ainda no primeiro semestre do próximo ano. Mas como deslocar o ex-juiz e ao mesmo tempo manter a política boa vizinhança para estarem juntos em um mesmo palanque? É uma equação difícil.

Enfim, o PSDB tem de definir como vai se apresentar na disputa presidencial para além de quem veste a fantasia. Mas será preciso mais do que a promessa de honestidade. É preciso dizer quais são as propostas para fazer o Brasil crescer e ser um país mais justo; quais as bandeiras e como viabilizá-las.

Sem vencer esses desafios são grandes as chances de repetir o fiasco de 2018, dando passos acelerados para se consolidar como um partido sem relevância na vida política nacional.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 1°/12/2021. 

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