Quando assumiu o papel de czar da economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes tripudiou sobre todos seus antecessores desde a redemocratização. Segundo ele, o país teria experimentado mais de 30 anos de governos social-democratas, responsáveis, no seu entendimento, pelo baixo crescimento econômico. Sem deixar pedra sobre pedra, e desconhecendo qualquer contribuição dos governos anteriores, prometeu a recriação do Brasil por meio de um choque ultraliberal.
A ideia de começar do zero seduziu o mercado, assim como os encantadores de serpentes convencem os loucos para serem iludidos. De fato, prometeu um verdadeiro milagre: uma revolução ultraliberal capitaneada por um presidente de trajetória populista, travestido de cristão novo do liberalismo. Bom de conversa, Guedes vendeu sua mercadoria como sendo o produto do casamento entre o liberalismo representado por sua pessoa e o conservadorismo de Jair Bolsonaro. Já havia aqui pelo menos um embuste. Bolsonaro não é conservador, é um reacionário, de índole autoritária.
Em três anos de governo, o ministro da Economia, a quem o presidente dizia ser o seu Posto Ipiranga, entregou quase nada do que prometeu, confirmando aquilo que Pérsio Arida dizia sobre ele: Guedes seria um homem de mercado, sem a menor experiência como gestor público, ainda mais diante de uma economia complexa como a do Brasil. Nesses três anos de seu mandarinato, as reformas estruturantes não foram adiante e o crescimento do PIB continuou na mesma média medíocre que persegue o Brasil desde os anos 80.
Isso não é produto do acaso. É fruto da instabilidade política criada pelo governo que afugenta investidores, incide negativamente sobre o câmbio e retroalimenta a inflação. Mas também da condução econômica dada pelo governo, que entregou ao Congresso uma reforma tributária mambembe e jogou para as calendas a reforma administrativa.
Os desacertos cometidos pela política econômica de Guedes são o pano de fundo do pífio desempenho da economia brasileira. Não à toa que péssimas notícias, índices e projeções se sucedem a cada dia.
Em lugar do prometido crescimento, o Brasil terá que se resignar com estagnação. Mais grave: empresários e membros do governo vislumbram um 2022 nada animador, o pior dos últimos anos. Com isso, o estado de ânimo dos investidores oscila entre a perplexidade e o desânimo.
Não foram poucas as vozes que alertaram sobre os riscos de Bolsonaro dar um cavalo de pau na economia, sobretudo no caso de sua popularidade se deteriorar a ponto de comprometer a reeleição. Ingenuamente, o mercado acreditava que o ministro da Economia seria o dique de contenção da reconversão populista de Bolsonaro. Mas isso era pedra cantada desde que o Centrão instalou-se no coração do governo, passando a ser o principal polo do condomínio governista.
Entre a coerência com sua pregação ultraliberal e a atração irresistível do poder, o ministro da Economia começou a mudar de conversa, para continuar no cargo e, quem sabe, por mais quatro anos. Começou dizendo que, mesmo com uma inflação de 8%, o Brasil continuaria no jogo. Ela chegou a 10% e agora Guedes lava as mãos, diz que isso não é com ele, é com o Banco Central. Em seguida extrapolou suas crenças dizendo que era preciso o Brasil gastar um pouco mais.
De heresia em heresia Guedes mandou às favas seu credo liberal por meio da PEC dos Precatórios, aprovada ontem na Câmara dos Deputados, em 2º tuno. A artimanha, feita para Bolsonaro ter um programa social para chamar de seu e assim voltar a ser competitivo eleitoralmente, é uma agressão aos bons fundamentos econômicos que, a duras penas, o Brasil construiu ao longo dos últimos 30 anos.
Pior, rompe contratos estabelecidos, viola o preceito constitucional do Teto dos Gastos, estabelece a insegurança jurídica.
Uma política econômica para obter sucesso requer três condições: previsibilidade, credibilidade e transparência de seus fundamentos. Sem isso não se gera um ambiente favorável aos investimentos tão necessários para o crescimento sustentado. É isso que está sendo jogado na lata do lixo por interesses eleitorais subalternos aos quais o ministro da Economia aderiu sem pestanejar.
Espertezas como o orçamento secreto minam a credibilidade e consolidam a percepção de que o governo não tem qualquer compromisso com os fundamentos da política econômica, como superávit primário e responsabilidade fiscal.
A nau da economia está à deriva, sem rumo e sem timoneiro, ou seja, sem um ministro forte o suficiente para domar a sanha intervencionista e populista do presidente e do Centrão.
Para quem propunha uma revolução liberal, Paulo Guedes deu uma de Jarbas Passarinho, mandando às favas seus escrúpulos.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 10/11/2021.