Rachadas!

“Doação para Covid acaba em programa da primeira-dama.”

Quando li a manchete acima da Folha de São Paulo dessa quinta-feira, levei um susto e pensei com meus botões: esse jornal agora passou dos limites. Tá insinuando que a primeira-dama Michelle Bolsonaro deu de fazer programas?

Daí fui ler a matéria e vi que não era nada disso. Tratava-se APENAS do desvio de R$ 7,5 milhões doados pelo frigorífico Marfrig que seriam destinados à compra de testes rápidos de Covid-19, e que foram parar na conta do programa chefiado pela dona Michelle.

Ufa! Que alívio!

Em 23 de março a Marfrig anunciou a doação que só foi realizada em 1º de julho, ocasião em que Bolsonaro entrou em contato com o frigorífico perguntando se no lugar dos testes (afinal, pra servem os testes para um negacionista, né?) o dinheiro não poderia ser usado em “outras ações de combate aos efeitos socioeconômicos da pandemia de Covid-19, especificamente o auxílio a pequenos negócios de pessoas em situação de vulnerabilidade”.

Como combinaram que estava bom para ambas as partes (falando nisso, Bolsonaro está apoiando o cavalo paraguaio das eleições paulistas, Celso Russomano), mandaram esses recursos para um projeto ligado ao programa “Pátria Voluntária”, comandado pela primeira-dama, e eles seriam usados para a compra de cestas básicas, segundo a Casa Civil.

Conforme o jornal, o programa liderado por Michelle Bolsonaro repassou, sem edital de concorrência, a grana do Ação Solidária a instituições evangélicas ligadas à ministra da TFP digo, da MFDH (Mulher, Família e Direitos Humanos) Damares Alves.

(Não sei que nome se dá a esse tipo de desvio, mas como se trata de um entendimento entre as mulheres do programa, acho que não cairia mal chamar de “rachadinhas”).

Esse foi o assunto do dia no Twitter e, até o fechamento desta edição, nenhum dos envolvidos tinha se manifestado para explicar.

E a pergunta que até ontem rolou insistentemente na rede, “Bolsonaro, por que o Queiroz depositou 89 mil para a primeira-dama Michelle?”, foi substituída hoje por “Bolsonaro, por que o governo desviou 7,5 milhões da Saúde para o programa da primeira-dama Michelle?”.

E assim, passando uma boiada aqui, outra lá, o bonde segue levando um carregamento de cloroquina que o presidente quer enfiar goela abaixo do brasileiro.

Nessa mesma quinta-feira do bafão do desvio, Jair Bolsonaro declarou em Pernambuco, durante campanha presidencial, ops, durante cerimônia de entrega da primeira fase do Sistema Adutor de Pajeús: “Deus foi tão abençoado (não entendi. Por quem ELE foi abençoado?) que nos deu a hidroxicloroquina”.

Como assim, deu? O senhor não gastou os tubos comprando o sal de cloroquina da China, para que o laboratório do Exército, produzisse toneladas desse medicamento que, comprovadamente, através de estudos e mais estudos, não serve para tratar a Covid-19?

E arremata: “Não sou médico, mas sou cabra da peste” (ou cabra que não tá nem aí com a peste?)

Com isso, só confirmou o que já sabíamos há algum tempo: que é um cabeça-dura.

Como ex-capitão do Exército, ele não pode recomendar nem balinha jujuba à população, muito menos um remédio que pode trazer consequências graves para a saúde.

O que se há de fazer?

Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 2/10/2020. 

 

 

2 Comentários para “Rachadas!”

  1. Uma bela crítica jornalística, Vera. Que título desconcertante esse da FSP. Consultando dezenas e centenas de vezes esse substantivo masculino, de fato, ele é dúbio.
    Balinha jujuba! Realmente, Sua Excelência o Capitão falastrão não engana nem a si próprio.

  2. Obrigada pela leitura, Montezuma.
    Quanto ao capitão falastrão, infelizmente, ele ainda leva muito gente no bico.
    Menos as emas do planalto, que mais espertas, fogem da cloroquina.

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