Namoro na quarentena

O amor nos tempos do corona não tem nada a ver com aqueles do cólera, mas também não é fácil. Em uma família conservadora, como a de Evelyn, menos ainda. Ela também não facilitou nada. Deu um gole no café da manhã e disse: “O Robertinho é uma pessoa muito bacana”. “Quem?”, pergunta a mãe. “Meu namorado.”

   – Namorado? –  Mirtes quase engasga com o café.  – Você só tem 14 anos! –

   – Que mal há nisso? – diz a moça. – Ele tem 15.

   – Quero só ver o que sua tia acha disso – arremata a mãe.

   De fato, mal terminado o café, empunha o celular. Tecla um número. Logo está falando com a irmã. “A menina começou a namorar.” (…) “Você tem certeza, Damares?” (…) “Mas assim, tão rigoroso?” (…). Desliga o celular.

   – Sua tia disse que é para você desmanchar o namoro já.

  – Pois diga para ela que eu não vou obedecer. Em primeiro lugar, não é minha mãe. Em segundo, não sou mais criança, faço 15 anos daqui a quatro meses. Fala com ela, mamãe. Tem que haver um jeito.

    Nova digitação no celular. Mirtes pondera a Damares que um namoro naquela idade não é tão incomum, nem pecado. Ouve a resposta, e transmite à filha.

   – Ela acabou aceitando, mas não fora de casa. Você e o rapaz ficam no sofá da sala, assistindo à televisão juntos comigo e seu pai.

    – Está louca, mamãe?  Essa bruxa coroca…

   – Evelyn!

   – … vive em outro mundo. Nem pense nisso!

   Mirtes acaba dando razão à filha. Namorar ao lado dos pais é inconcebível.  Lembra-se, então, do namoro no portão, como foi com seu marido e era comum antigamente. Nova ligação para a irmã. Ao final da negociação, Damares, embora contrariada, concorda com a solução. No portão, mas com a luz do jardim acesa. E, com o coronavírus à solta, usar máscara e manter a distância de dois metros.

Junho de 2020

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