Logo no começo da netada desta sexta-feira, a de número 116 desde o início da quarentena, Marina nos contou que o André já tem uma blá-blá-blá, ou seja, uma namorada. (Ela brinca que não gosta de usar os termos namoro, namorada; fica envergonhada – e aí usa blá-blá-blá.) É a Beth.
O primeiro raio de brilhantismo de Marina criadora de histórias do dia viria logo em seguida. Depois haveria outros.
É necessário explicar, antes, que o André é recém-chegado. Chegou na tarde anterior, da quinta – um presente nosso. Era o terceiro bonequinho homem da coleção Barbie da pequena. Deixamos na portaria do prédio dela com um bilhete da vovó: “Olá. Eu sou o Net. Ouvi dizer que nesta casa tem uma Pat. Gostaria muito de conhecê-la.”
Pat é uma das Barbies de que Marina mais gosta, e a gente já havia brincado que ela bem que poderia ter um namorado, perdão, um blá-blá-blá chamado Net…
Pouco depois que recebeu o presentinho, Marina nos mandou um vídeo. Dizia que tinha adorado o Net – mas não gostava do nome que a gente tinha sugerido. Queria dar a ele um outro nome. A gente poderia dar sugestão?
Mandei várias sugestões. “Paulo? Pedro? Dâni? Roberto? André?”
Respondeu: “Boa. André.”
E, então, no comecinho da netada de hoje nos informou que o André já estava blablazando com uma menina, a Beth.
E aí veio o raio de brilhantismo.
Na verdade – ela nos contou –, o André e a Beth já se conheciam. Desde o tempo em que ainda estavam na loja. Quando os moços da loja saiam de férias, os dois, o André e a Beth, saíam de suas caixas e se encontravam.
Como é que é?
Aaaaaahhh!
Isso aí é a grande sacada dos criadores de Toy Story, meu! Nada menos que sete marmanjos – extremamemte bem pagos – assinam a história e o roteiro de Toy Story, o primeiro, de 1995, cuja base, cuja grande sacada é exatamente essa!
Quando contei isso, o Papai se lembrou de Toy Story, é claro – e lembrou que Marina ainda não viu o filme!
A Vovó se lembrou de que essa sacada – quando não estão sendo vistos pelos humanos, os brinquedos têm vida – está também no desenho da Doutora Brinquedos, e este a pequena conhece bem.
Tá legal, ela não inventou a grande sacada. A grande sacada já estava aí rolando.
Mas, meu, ela tirar da cacholinha essa sacada, no meio de uma brincadeira, como quem não quer nada…
Aaaaaahhh!
***
Mais adiante, Marina criadora de histórias nos contou que na Brinquedolândia a temperatura é diferente da do nosso mundo, e hoje, dia mais quente do ano lá, teve neve de calor.
Sim. Neve de calor.
Nos dias especialmente quentes, cai neve de calor – e a neve tem diferentes cores. Às vezes é roxa, às vezes azul e às vezes rosa. Hoje estava rosa.
Ah, e a Beth tem mania de colecionar flocos de neve quente. Ela guarda pedaços, cada um de uma cor.
– “Eles não desmancham?”, provocou a vovó. E ela, firme: – “Não.”
***
Marina nos ligou exatamente às 11h31 – uma pontualidade absolutamente britânica para quem é, como o avô dela, enroluda, e se enrola, e se atrasa, e quase nunca liga com menos que uns 15 minutos de atraso em relação ao horário combinado para as nossas conversas. Estava bem agasalhadinha; botou luvas e também um gorro de lã. Comentei que tinha todo sentido ela estar bem agasalhada, porque hoje era o dia mais frio do ano.
É difícil surpreender Marina, dar informação que ela não conheça. Replicou: – “A mamãe contou que tem cidade que está com menos 8 graus! Imagina! Meeenos 8 graus!”
Usou o frio para inventar que na Brinquedolândia era o dia mais quente do ano e nevava neve de calor.
***
Foi criando histórias e situações sobre os bonequinhos Barbie. Uma hora lá, pegou a Helena, que é uma Chelsea, as Barbies crianças. – “Deixe eu pensar de quem a Helena é filha…”
Sim, ela às vezes narra como funciona seu processo criativo.
– “Ah, do Ken e da Elsa, que foram os primeiros a blablazarem.”
Verdade. Quando começou a quarentena, já lá se vão looongos cinco meses, havia apenas um único moço no meio da coleção de umas 20 Barbies da Marina – o Ken. E ele foi o primeiro a namorar – blablazar, na língua da pequena – uma das meninas, exatamente a Elsa. Fomos nós, vovô e vovó, que, preocupados com aquela falta de meninos, demos para ela um segundo bonequinho, a quem ela, bem feliz, deu o nome de Carlos – por coincidência, o nome do Papai. Como a correlação de forças continuava muito estranha – mais de 20 meninas e apenas 2 meninos –, resolvemos dar para ela mais um.
“Agora são três mosqueteiros”, eu disse pra ela.
Certamente porque havia ganho de presente o terceiro Barbie masculino, bem no início da conversa/brincadeira de hoje tinha anunciado: – ”Vamos brincar de Barbie normal!”
No entanto, quando a netada estava com uns 50 minutos dos 90 regulamentares, anunciou:
– “Eu não quero mais brincar de Barbie! Vamos brincar de Winx!”
E então nos contou que Ninfea e Fonterrubra, as escolas respectivamente das Winx e dos Especialistas, haviam sido grudadas uma à outra. Grudaram-se – e uma chave mágica permitia que as meninas atravessassem as paredes grudadas de uma escola para a outra.
Em um determinado dia, as meninas saíam de Ninfea e iam para Fonterrubra. Passavam todo o dia e a noite lá. No dia seguinte, usavam aquela chave e atravessavam as paredes e iam pra Ninfea.
Céus!
O prédio de uma escola que caminha até se grudar ao prédio da outra escola.
Baita realismo mágico, meu!
***
Na hora em que Mamãe chamou para o almoço, eu disse à Marina que tinha adorado as histórias de hoje. Imagina, meu, os brinquedos que saem de suas caixas quando os moços da loja estão de férias e ficam conversando…
Ela mesma se lembrou de outra idéia boa do dia: – “A neve de calor…”
E eu falei dos prédios das duas escolas que se aproximam, ficam juntinhos.
Marina disse então que essa coisa aí não era idéia dela: isso aí era algo que já havia sido contado.
Aaaaaahhh!
Meu! Se, além da imaginação toda, da criatividade, a criaturinha ainda tiver atenção rígida à verdade dos fatos… Se resistir à tentação de contar mentira, uma mentirinha mínima que seja…
Aaaaaahhh!
21 e 23/8/2020
Que orgulho desta garota hein vovô !! Será q ela aprende com quem??? Tem um excelente contador de histórias na família! Beijos vovozais!