Marina hoje demonstrou que, como contadora-criadora de histórias, conhece bem a técnica das ações paralelas. Mas não foi só. Uma hora lá em que eu contei para ela – certo de estar falando algo absolutamente inédito, inaudito – que no começo todas as fotografias eram em preto-e-branco, e só depois passaram a ser coloridas, da mesma maneira que os filmes, os desenhos, a pequena me olhou com aquele olhar “caramba, vovô, mas como você é bobo, né?”, e disse: – “Eu sei, vovô!”
Diacho: não consigo surpreender com uma informação essa criaturinha que ainda não fez 7 anos e 4 meses!
Não tem jeito mesmo. Esses meninos caíram no caldeirão da informação quando nasceram.
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Aprendi que, nos primórdios do cinema, as platéias não estavam acostumadas a nada que não fosse extremamente simples, pão-pão, queijo-queijo. Tudo que não fosse pão-pão, queijo-queijo, conhecido, manjado, era motivo de surpresa. É lendário o fato de que, ao ver o trem que se aproximava da estação – e portanto da câmara, e portanto da tela –, em L’Arrivée d’un train en gare de La Ciotat (na foto abaixo), dos irmãos Lumière, em 1895, as pessoas da platéia se apavoravam, achando que seriam atropeladas pelo trem, como se fossem Annas Kariêninas involuntárias.
Ação paralela é um artifício de narrativa que veio com o cinema. Foi D.W. Griffith, o cara que criou muitas das regras básicas da gramática do cinema, que primeiro explorou essa coisa de duas ou mais ações simultâneas, que vão sendo mostradas paralelamente na tela, com suas obras-primas O Nascimento de uma Nação (1915) e Intolerância (1916, na foto do alto).
Creio que essas informações Marina ainda não tem – mas nesta sexta-feira ela nos apresentou com brilho uma narrativa com ações paralelas.
Estávamos na continuação da história da viagem de férias do casal Ken e Fernanda e a filha Miranda, de 12 anos, a um belo hotel à beira-mar, iniciada na quarta.
Ela nos contava de mais um dia da família no hotel – os três personagens representados pelos bonecos Barbie que têm esses nomes desde há muito tempo. Ia representando o teatrinho para nós.
A primeira a levantar da cama foi a Fernanda, que em seguida foi acordar a filha. Miranda ainda estava com sono, e tentou negociar com a mãe ficar um pouco mais na cama, mas Fernanda combinou com ela que, depois do café da manhã e antes de irem para a praia, ela poderia tirar uma sonequinha.
As duas iriam então tomar um banho.
Me intrometi na narrativa. Perguntei se não seria melhor deixar o banho para depois que eles voltassem da praia. A diretora-roteirista não se abalou: – “Aqui no mundo Barbie a gente toma muitos banhos, e não tem problema, porque não gasta água.” E explicou que a família, ali de férias no hotel de praia, tomava quatro banhos por dia.
E por aí a pequena foi indo com o faz-de-conta dela, que incluía detalhes como haver banheira de hidromassagem no apartamento do hotel, com direito a banho de espuma.
Vestiu cuidadosamente as duas bonequinhas, mãe e filha, depois do banho de cada uma delas. E foi indo, foi indo…
Até que veio então a ação paralela.
Enquanto isso, lá na academia de ginástica da Fernanda, a Elsa havia assumido a tarefa de dar as aulas para as turmas – e ela nos mostra a Elsa.
Mostra a Elsa enquanto explica: antes de sair de férias, a Fernanda havia pedido à Elsa que assumisse o seu lugar como professora de ginástica na academia. Isso porque a Elsa é a melhor das alunas da Fernanda.
E passou a nos mostrar os exercícios de ginástica da Elsa.
Babei com aquilo, essa coisa sensacional de uma criança de 7 anos e nem 4 meses interromper uma ação da história que está contando/criando e apresentar uma ação paralela. Disse para Marina que aquilo é muito legal – “Puxa, você sabe contar uma história em que duas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo!”
Com um ar um tanto blasé, Marina me respondeu: – “Isso acontece sempre nas histórias das Winx, vovô”.
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A coisa do preto-e-branco foi um pouco antes disso.
Quando Marina encenou que a Fernanda estava acordando, e iria acordar a filha, a vovó, do lado de cá, cantarolou: “Tá na hora de acordar, não espere mamãe chamar…”. Faz parte das nossas brincadeiras: sempre que possível, diante de um fato da história encenada por Marina a gente canta uma música que tenha a ver.
Ao mudar a letra do tradicionalíssimo jingle dos Cobertores Parahyba que sempre era executado às 9 da noite na televisão quando a gente era criança, Mary não se lembrou que, semanas atrás, a gente falou dessa história para a Marina – e eu mandei para ela o link do comercial lindinho das crianças indo dormir.
Aí comentei isso – que a Marina conhecia a música, que a gente tinha falado dessa música para ela, e eu até tinha mandado para ela o filminho, em preto-e-branco. – “Lembra, Marina?” Ela disse que sim – e aí eu, todo vovô sabe-tudo que ensina coisas para os netos, vim com o papo de que, no começo, tudo – a fotografia, depois o cinema, depois a televisão – era em preto-e-branco. Só depois é que tudo foi adquirindo cores.
Para receber aquele gélido – “Eu sei, vovô!”
Depois desse susto, Mary e eu falamos que, ah, claro que você sabe, né? Esquecemos que seu papai já deve ter contado tudo sobre isso para você…
Fica a lição para os vovôs:
Nunca tente surpreender sua neta com informações sobre cores – e tudo relacionado a elas – se ela for filha de um designer.
10 e 11/7/2020
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