A opção por não aprender

O Mitre gostava de contar de uma vez em que foi entrevistar Jânio Quadros, ali pelos anos 80, e perguntou para o ex-presidente, acho que antes de ele se eleger prefeito de São Paulo, “há quanto tempo atrás” havia acontecido tal evento.

O danado do populista, mistificador, enganador que abriu caminho para o golpe militar de 1964 – mas alfabetizado – replicou: – “Fale bom Português comigo!”

O Mitre – Fernando Lima Mitre, um dos mais brilhantes jornalistas que este país já teve – adorava contar a história. Divertia-se a cada vez que contava – e, claro, divertia os ouvintes.

Admiro o Mitre, e tenho imensas dívidas de gratidão a ele. Quando Mitre assumiu o cargo de redator-chefe do Jornal da Tarde, com a saída da Rainha, que era como todos chamávamos o Murilo Felisberto (e ele adorava o apelido), ele me recolocou como sub-editor de Reportagem Geral. Eu tinha cometido algum erro, e a Rainha, que jamais foi com a minha cara (o que considero uma das boas coisas do meu currículo), havia soltado um édito: o Sérgio Vaz nunca mais vai ter cargo de chefia nem de subchefia no jornal.

Ouvi Mitre dizer mais de uma vez que uma das primeiras decisões dele depois de assumir a chefia de redação do JT tinha sido a de tornar sem efeito o édito da Rainha. Ao dizer isso, ele algumas vezes acrescentou que eu era um dos caras mais talentosos do jornal.

Gentileza extrema dele. Nunca fui exatamente um jornalista talentoso; fui, no máximo, muito esforçado.

O talento que tive na minha vida profissional foi saber Português.

Outro dia, numa das conversas/brincadeiras diárias com Marina, ela falando que não gosta muito de Português, comentei que ganhei a vida e criei a mãe dela por saber Português.

Lembrei de tudo isso ai por causa de uma coisa que aconteceu neste 14 de julho.

Neste 14 de julho, o dia em que se comemora o início do fim da monarquia absolutista da França, o início da Revolução Francesa que ensinou ao mundo que acima de tudo deveriam estar os conceitos de liberdade, igualdade, fraternidade, mas que, muito mais importante do que isso, se comemora o nascimento da minha filha, travei um fantástico diálogo com uma pessoa no Messenger.

A pessoa escreveu no Facebook um post criticando o fato de que o Brasil está há 2 meses sem ministro da Saúde.

Escreveu que o Brasil está a 2 meses sem ministro da Saúde.

Mandei inbox uma mensagem:

“Oi, (o nome da pessoa)! Desculpe chegar assim de repente… Mas é um toque na boa… Naquele seu bom post sobre falta de ministro da Saúde, o “há tantos dias”, ou tantos meses, é “há”, e não “a”… Não fique chateada, por favor.

Recebi esta resposta:

“Sinceramente???Acho muita falta de ética, de educação até, corrigir uma pessoa, em um texto, sendo essa pessoa uma ‘desconhecida’, ou mesmo  amigos aqui, sem nenhuma  intimidade real de amigos e convivência até por aqui mesmo. Tenho mais de mil amigos aqui, e nunca alguém me chamou a atenção  por esse ou aquele erro de ortografia ou colocação de frases, verbo, adjunto adverbial, etc…etc…a não ser que seja um  conhecido,  realmente um amigo para se  dar a esse  direito.

E, além do mais, não faz diferença.

Espero ter sido clara.😉

***

Fiquei bastante chocado.

Respondi:

“Mas veja… O toque foi apenas entre nós. Não foi público. Faço observações como essa para os meus amigos e também para pessoas que não me conhecem. Faço com educação e delicadeza. Agora, se você acha que é grosseria, passar bem e até nunca mais.”

E, claro, desfiz a “amizade”.

Mas aquilo ficou incomodando o meu fígado.

Faz uma imensa diferença se você escreve que há 2 meses estamos sem ministro da Saúde e se você escreve que a 2 meses estamos sem ministro da Saúde.

Não é a falta do h e do acento que faz a diferença. É muito pior. É a lógica. É a compreensão do mundo. Se você não sabe a sua língua, você demonstra que  não compreende o mundo.

Se você não entende isso, meu, fodeu.

Mais ainda. Meu Deus do céu e também da Terra, se, avisadas – reservadamente,  e educadamente – de que cometeram um erro, as pessoas acham que isso é falta de ética, então, cacete, fodeu de vez.

Não tem mais jeito.

Nós estamos nos transformando em uma sociedade de gente que se recusa a ouvir, a aprender, a melhorar.

Nós estamos nos transformando em uma sociedade de idiotas.

E, portanto, estamos nos condenando a ser para sempre governados por idiotas.

Se estamos nos negando a ouvir, a aprender,  a melhorar, então viva Trump, viva Obrador, viva Bolsonaro!

Um comentário para “A opção por não aprender”

  1. As pessoas vivem em suas bolhas e não saem delas. Não gostam do contraditório, da visão diferente. Aprenderam que o egocentrismo é o caminho. Belo comentário. Bjo

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