No momento em que as Forças Armadas estão no centro do debate político, é mais do que oportuno relembrar a figura do marechal Cândido Rondon, o grande engenheiro militar e sertanista brasileiro. A leitura da sua biografia, escrita pelo jornalista Larry Rohter, nos possibilita entender que as instituições militares são admiradas pelos brasileiros por serem a mão amiga em missões de integração nacional, de paz e de ajuda humanitária. Nem por isso deixam de ser o braço forte na proteção de nossas fronteiras e na defesa da nação.
Devemos ao marechal a integração do Oeste e do Norte do país. Antes dele, essas regiões viviam isoladas. Rondon descobriu rios e construiu estradas, como a que vai de Cuiabá ao Rio de Janeiro ou a de Cuiabá ao Acre, além de cinco mil quilômetros de linhas telegráficas, levando-as até as fronteiras com a Bolívia e o Peru. Por mais de três anos embrenhou-se na floresta amazônica. Dado como morto, porque não se tinha notícia de sua expedição, no final possibilitou ao país o conhecimento da maior floresta tropical do mundo.
Se Duque de Caxias é o símbolo do braço forte que assegurou a unidade nacional ao enfrentar sublevações separatistas, Cândido Rondon foi a mão amiga na defesa dos indígenas. Foi o criador e primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio e idealizador do Parque Nacional Indígena de Xingu.
Para ele, a integração dos índios deveria se dar de forma pacífica e voluntária, jamais pela violência. No fim da vida passou a defender o direito dos índios de permanecer isolados, se assim desejassem.
Ferido por uma flecha envenenada dos nhambiquaras, impediu qualquer represália por parte de seus subordinados. Vem daí a sua frase “morrer, se preciso for. Matar, nunca”. Por tudo isso se fez merecedor da indicação ao prêmio Nobel da Paz, sugerida por ninguém menos do que o físico Albert Einstein.
Em recente artigo, o general Alberto Cardoso, idealizador e primeiro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional do governo Fernando Henrique Cardoso, mostrou que o espírito de Rondon está presente quando as Forças Armadas estendem a mão nas favelas cariocas, no combate a incêndios na Amazônia Legal, na realização de obras públicas, no socorro aos sertanejos vítimas da seca. Essa mão acolheu refugiados venezuelanos e chegou a outros países em missões de Paz da ONU. Desde o fim da Guerra do Paraguai não se envolveu em conflitos regionais, marcando-se como unidade comprometida com a paz no continente.
Seu braço forte retira garimpeiros de terras indígenas, combate o desmatamento ilegal, protege nossas fronteiras terrestres e marítimas, atua nas crises de segurança motivada pela ação do crime organizado ou de motins policiais. Está capacitado tecnicamente para a defesa nacional.
Respeitadas pelos brasileiros, as Forças Armadas estiveram nos últimos 35 anos atentas às suas funções constitucionais. Cresceram aos olhos do país por sua atuação como instituição permanente de Estado e não de governos, que são transitórios.
O inverso também é verdadeiro. Toda vez em que agiram como “partido fardado” dentro de uma visão salvacionista tiveram sua imagem corroída. E os valores por meio dos quais se estruturam, como a disciplina e a hierarquia, foram seriamente afetados. Como regra, as intervenções militares ocorridas desde o advento da República levaram, ao cabo, à corrosão da imagem das Forças Armadas. Mais grave: contribuíram para a divisão dos brasileiros.
O marechal Cândido Rondon, mato-grossense que nasceu como Cândido Mariano da Silva e depois acrescentou Rondon ao seu nome, em homenagem ao tio que o criou, dizia que o Exército deveria ser o “grande mudo” em questões políticas.
Essa idéia de neutralidade política está presente no recente artigo do general Alberto Cardoso ao ressaltar que “são órgãos permanentes do Estado brasileiro e não dos governos que se sucedem”. Nas palavras do general, isso significa “independência em relação aos partidos que ocupem o governo no rodízio democrático”.
O atual comando das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica – tem mantido um comportamento exemplar, resistindo às tentativas de quem quer atraí-las para aventuras antidemocráticas. Nem mesmo as incursões de Jair Bolsonaro ou do núcleo dos militares palacianos têm força para aparelhá-las.
A rígida observância do mutismo das Forças Armadas em questões políticas é essencial para seu futuro. Só assim continuarão amadas.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 24/6/2020.