São Paulo é a cereja do bolo, cobiçada por todos. Natural que no segundo turno os olhos do país se voltem para disputa paulistana, dada a pujança de sua economia e seu peso político. Os dois contendores representam muito para o campo a que estão ligados. Uma vitória de Bruno Covas deixará o centro mais bem posicionado para 2022 e contribuirá para o PSDB voltar às suas raízes. Já uma vitória de Guilherme Boulos seria a ressureição de uma esquerda varrida das urnas em 2016 e 2018, com a vantagem de não ter a mácula da corrupção que tanto debilitou o Partido dos Trabalhadores.
A disputa acontece influenciada pelos ventos do primeiro turno. Talvez isto explique o tom civilizado do primeiro debate televisivo realizado na noite de segunda-feira, na CNN Brasil. Nada assegura que esse clima permanecerá até o final, mas não deixou de ser um bom começo, ainda que ser civilizado seja pré-requisito, como ser honesto ou ser responsável. O risco a se evitar é a repetição da radicalização e polarização das eleições municipais de 2016 ou das duas últimas disputas presidenciais.
Embora sejam políticos jovens para o parâmetro brasileiro, há diferenças significativas entre os dois candidatos, como ficou evidenciado no debate. Bruno tem uma história de superação e de empatia, de não se ausentar em momentos críticos, como na greve dos caminhoneiros, em tragédias na cidade ou na pandemia. Boulos é uma figura carismática, com trabalho social forte. Contudo, carrega consigo o vício de uma esquerda com pouco compromisso com a responsabilidade fiscal, o que torna tênue a linha divisória entre a utopia e a demagogia de suas propostas.
Não estamos diante de uma disputa ideológica esquerda versus direita, até porque Bruno Covas está longe de ser um político de direita. Tem profundos compromissos com a democracia e sensibilidade social. O diferencial é saber quem conhece mais a cidade e seus problemas e aponta o caminho realista para a sua superação, levando em consideração as limitações orçamentárias e legais. Nesse terreno o candidato do PSOL tem enorme desvantagem.
Em certo sentido, lembra muito a utopia do PT dos anos 80, que foi tomando um choque de realidade assim que começou a comandar prefeituras importantes. A idéia da tarifa zero nos transportes coletivos foi empunhada por Luiza Erundina, hoje candidata a vice na chapa de Boulos, antes de ser eleita prefeita de São Paulo. No poder, abandonou rapidamente a bandeira, pela sua inviabilidade. É sintomático que Guilherme Boulos tenha ressuscitado a proposta, durante o primeiro turno, sem demonstrar sua viabilidade financeira.
Não há almoço grátis. Os limites orçamentários só podem ser superados ou com o aumento de impostos ou com o corte de despesas em determinadas áreas para investir em outras. Onde Boulos vai cortar? Na Saúde, na Educação, na Segurança? Dizer que nas obras de revitalização do Anhangabaú e das calçadas não resolve o problema. Isso é uma gota d’água no oceano das necessidades da cidade.
Problemas concretos exigem respostas concretas. Dispensam “soluções genéricas”, como apostar as fichas no reaquecimento da economia. Isso depende mais de fatores macroeconômicos da política econômica do governo federal do que da ação de um prefeito. Não se nega que ele pode contribuir para a retomada, mas há limites intransponíveis para sua ação.
São Paulo não marcha para um segundo turno pró-forma. A disputa está aberta, embora de início haja um favoritismo de Bruno Covas.
Um e outro terão de ampliar seu leque de alianças e pesar determinados apoios.
No caso do tucano, que já conta com o apoio do governador João Dória, fará diferença para onde pender a turma que votou em Marcio França e é legítimo querer os votos dos republicanos e do eleitorado de Celso Russomano, mas se isso parecer aproximação com o presidente Jair Bolsonaro selará o beijo da morte.
Boulos também tem problemas para ampliar seu arco de alianças. Inegavelmente saiu do primeiro turno como uma estrela ascendente no campo da esquerda, com potencial de ofuscar Lula. Não pode, óbvio, dispensar o apoio do cacique do PT, mas conforme for a dosagem desse apoio estará se abraçando aos afogados, dada a rejeição do eleitorado paulistano ao lulismo.
Apoios são importantes, mas os eleitores demonstraram que não estão nem aí para padrinhos. O que se quer mesmo é morar em uma cidade melhor, com serviços públicos de qualidade. O sonho do eleitorado só se concretizará se São Paulo tiver um prefeito com pés no chão e não com a cabeça na lua.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 18/11/2020.