Dos três grandes jornais de circulação nacional, a Folha de S. Paulo foi o que teve a manchete mais correta nesta terça-feira, 7 de abril. A do Globo chamou a atenção para um detalhe importante – mas em seguida teve um tropeço. E O Estado de S. Paulo, numa decisão editorial que me parece incompreensível, optou por não dar importância ao grande fato do dia.
Eis as manchetes.
Folha: “Após ameaças de Bolsonaro, Mandetta diz que continua”.
O Globo: “Após ter gavetas limpas, Mandetta é mantido no cargo por Bolsonaro”.
O Estado, em título de uma única coluna, abaixo da dobra: “Mandetta fica e pede melhor condição para trabalhar.”
O mineiro O Tempo e o tradicional gaúcho Última Hora deram manchetes corretas, semelhantes às da Folha. A do primeiro: “Mandetta vence 1ª queda de braço e segue no Ministério”. A do segundo: “Após ameaça de demissão, Mandetta anuncia: “Vamos continuar”.
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Registro o que não pode deixar de ser registrado: uma das coisas mais desagradáveis que há é jornalista que não está no dia-a-dia das redações fazer crítica ao trabalho dos colegas envolvidos na batalha dificílima que é fechar um jornal.
Isto aqui não é uma crítica, de forma alguma. É apenas uma observação de um jornalista veterano não com propriamente com o viés no jornalismo, e sim na política. No significado político dessa segunda-feira que, creio, ficará para a história.
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Nesta segunda-feira, 7 de abril, o presidente da República chegou a mandar preparar o decreto de exoneração de seu ministro da Saúde, em meio à seriíssima crise provocada pelo avanço do novo coronavírus. E fez com que a notícia da demissão vazasse.
O que é algo absolutamente absurdo, louco, irresponsável, sem sentido, ilógico – o número de adjetivos poderia ocupar páginas inteiras.
Já seria um absurdo se o ministro estivesse cometendo alguns deslizes. Mais ainda, muito mais, quando o ministro está tomando as decisões com base no que determina a Organização Mundial da Saúde e o que aconselham as autoridades da área de saúde do mundo inteiro.
É difícil imaginar algo tão absurdo.
Seria mais ou menos como o dono da White Star Line mandar uma ordem por rádio para que o capitão Edward John Smith fosse retirado do posto de capitão 3 minutos após o iceberg abrir um buraco de 90 metros no casco do Titanic.
É. Esta é a comparação que me ocorre ao pensar nas atitudes de Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus, o evento mais terrível enfrentado pela humanidade desde a Segunda Guerra Mundial, na opinião de vários líderes políticos e analistas. O Titanic.
No Globo, Bernardo Mello Franco usou – com muita propriedade – outra imagem fortíssima. A de Nero, o imperador que tocava harpa enquanto um incêndio destruía Roma:
“Bolsonaro indicou que assumiria de vez o papel de piromaníaco. Ele riscou o fósforo no início da tarde, ao comunicar aliados que pretendia demitir o ministro da Saúde. Quando os bombeiros conseguiram conter o incêndio, o presidente já tocava harpa diante das labaredas. Mandar Luiz Henrique Mandetta para casa significaria atear fogo às próprias vestes. Embora Bolsonaro o veja como ameaça, o ministro é quem ainda empresta alguma credibilidade a seu governo. Numa equipe repleta de aloprados e bajuladores, ele se destaca pela serenidade e pelo apego à ciência.”
Em editorial, O Globo escreveu:
“A fritura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é típica de um governo como o de Bolsonaro, em que a lógica cartesiana costuma ser contrariada por outras condicionantes. (…) Mandetta, cuja atuação na epidemia da Covid-19 é aprovada por 76%, segundo pesquisa recente do Datafolha, corre risco de ser mandado embora e no momento em que a crise de saúde inicia sua fase de agravamento. Os sensatos que estão na cúpula do governo ajudaram a convencer ontem o presidente a não cometer o desatino. Há algum tempo Bolsonaro tem demonstrado conviver mal com esta popularidade, ameaçando usar a caneta contra aqueles que ‘viraram estrelas’. Mais explícito, só se citasse o nome.”
Merval Pereira escreveu no Globo: “Funcionou, não sem um estresse desnecessário, a tutela branca dos ministros militares que ocupam os gabinetes do Palácio do Planalto. Foram eles, mais o Congresso e o Supremo, que deram respaldo à permanência do ministro Luiz Henrique Mandetta no ministério da Saúde, depois que o presidente mandou aprontar um decreto demitindo-o. Mais uma vez o presidente Bolsonaro criou um clima de instabilidade no país a troco de nada. Ou melhor, a troco de demonstrar infantilmente o poder de sua caneta presidencial, e o que conseguiu foi explicitar que lhe falta tinta para usar a caneta, como havia ameaçado na véspera. O presidente tantas fez que acabou perdendo as condições práticas de governar.”
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O presidente da República manda preparar o decreto de demissão do ministro da Saúde quando o pior da pandemia do coronavírus sequer chegou. Manda demitir o capitão do Titanic no momento em que entra água gelada num buraco de 90 metros do casco. Acende o fósforo e toca a harpa.
E aí, no final da tarde, depois que a notícia da demissão já corria o país, antecipando em algumas horas o panelaço diário em vários bairros das maiores cidades, os presidentes do Congresso, Davi Alcolumbre, e do STF, Dias Toffoli, ligam para o Palácio alertando para o perigo que seria efetivar a saída do ministro, os generais que trabalham no Palácio conseguem amansar a fera – e o ministro que a rigor já havia sido demitido afinal anuncia que, embora suas gavetas já até tivessem sido esvaziadas, fica.
E o Estadão resolve esconder a informação na parte inferior da dobra do jornal?
E O Globo afirma que Mandetta “é mantido no cargo por Bolsonaro’?
Não foi Bolsonaro que manteve Mandetta no cargo. Os jornais explicam isso tintim por tintim: foi por causa da pressão dos ministros militares, dos presidentes do Congresso e do Judiciário, e da opinião pública, que Bolsonaro foi obrigado a engolir o ministro que ele agora detesta.
Ministro que ele não aguenta mais, por inveja e ciúme, coisa de menino ginasiano bobo, carente, doente.
As chances são de que Mandetta não permanecerá muito mais tempo no Ministério. Jair Bolsonaro já deu mostras suficientes de que é louco dos bravos, que é fera indomável, que é idiota muito além de qualquer aconselhamento com base em argumentos lógicos.
Mas isso não importa tanto no momento.
O que eu quis realçar aqui é que os grandes jornais trazem todas as informações, demonstram claramente o que aconteceu – só não conseguiram traduzir isso nas suas manchetes.
Uma manchete mais acurada, mais exata, que descrevesse bem os eventos dessa segunda-feira, 7 de abril, seria algo como “Após ter gavetas limpas, Mandetta é mantido no cargo apesar de Bolsonaro”.
Vejo agora que a melhor manchete, a mais perfeita, é a da newsletter Meio:
“Com raiva de Mandetta, Bolsonaro pára país por um dia.”
Nada como poder escrever a manchete no final da madrugada, depois de ler todas as manchetes feitas pelos coleguinhas exaustos, ao final de uma longa noite de fechamento tumultuado.
7/4/2020
“Com raiva de Mandetta, Bolsonaro pára país por um dia.”
Foi um dia terrível para os jornalistas. Tiveram muito trabalho. O pior é que se fossem exatos demais, poderiam perder seus empregos… Temos que ter em mente que a família 000 não é boa da cuca…