Aqui, dentro do meu quarto, estou protegido. O vírus me espreita lá fora, na rua. É um quarto pequeno, para solteiro. Nele estão um armário de roupas, a cama. Ao lado do armário, um bureau, que ganhei do meu pai quando tinha quatorze anos. Abre a parte de cima, para a gente poder escrever (na debaixo estão meus livros prediletos).
Há ainda no quarto uma mesa pequeninha (40 cm por 35), com quatro gavetas, e o vão para eu enfiar as pernas. Peça antiga, que comprei de segunda mão. Sobre ela está meu laptop. Na parede oposta à janela, fica a televisão, que só ligo à noite, para ver o noticiário.
Passo boa parte do dia no quarto, escrevendo, lendo, tirando a siesta. No momento, leio os melhores contos do Gorki. Trecho: “Participando das fortes vibrações da luz, o oceano inflamava o peito acetinado e curvo, numa dolência mórbida de cansaço, embalsamando o ar com o aroma das suas emanações salinas.” Eventual excesso de retórica, para os dias de hoje, é compensado pelo preço do e-book: menos de dois reais.
Acho-me auto-confinado devido aos meus seventy seven, atraentes para o corona. A família decretou, acatei. Admito, no entanto, que com este texto estou criando uma grande cena – já virei um épico! – para tentar impressionar o editor e emplacar mais um artiguete.
Afinal, não estou em uma solitária. Posso sair do quarto, sentar-me ao sofá da sala, passar para a cozinha (separada por uma bancada, nada de muita parede) e tomar um cafezinho. Há também o terraço, de onde vejo um pedaço da Serra da Cantareira.
A minha contrapartida, em relação à família, está num cartaz grande que elaborei. Quem chega da rua vê, assim que abre a porta do apartamento: LAVA A MÃO. Na lavanderia, sabão e toalha. Ou álcool gel, ao gosto do freguês.
Por falar em álcool, continuo a abrir meu bar, para o (moderado) happy hour. Como confinado não posso me queixar da vida.
Março de 2020
Imenso amigo e companheirode lutas passadas e/ou (quem sabe) futuras, por nome, à la Guimarães Rosa, Valdir Sanches (merece caixa alta em todas as letras, assim: VALDIR SANCHES, que bom rele-lo, o que preciso mesmo é reve-lo (que o vaga do Servaz providencie nosso reencontro, com mais o Gertel, o próprio e quem sabe com o Serron como convidado especial). Chega, não tenho mais palavras para as suas palavras, a não ser invejá-las. Um abraço do tamanho do meu bem-querer e acrescente aí a soma das nossas existências: 77 mais 82 (83 só em dezembro, com a aquiescência do bom Deus, é claro. Vou copiar seu texto no face, para ver se aqueles que acham que sabem escrever aprendam um pouco, desde que tenham a humildade para receber lições.
Escute meu querido jornalista, sua descrição dos fatos me tocou fundo e fez crer que está na hora de você dar uma fugidinha do seu quarto de adolescente e caminhar um pouco na rua. Diga aos filhos, aos vizinhos, aos parentes que não resolve se isolar do corona e ficar doente inclusive da alma …. o corpo tem que se exercitar, a pele receber o sol, os ouvidos o vento. Tudo com grandes passadas de álcool gel, claro. Kkkkk. Beijos muito grandes. Continuo a te admirar.!
Tá melhor do que o Lula em Curitiba, porque lá não tinha happy hour.
Já cantava Milton. Amigo é para se guardar/Debaixo de sete chaves/ Dentro do coração.