A utopia capitalista

Segundo Karl Marx, o capitalismo guia-se pela lógica implacável do lucro e a desigualdade é inerente ao modo de produção. O axioma marxista parece se confirmar diante do avanço da desigualdade no planeta, mas não responde às transformações em curso. E começa a surgir um capitalismo de partes interessadas (stakeholders) para um mundo coeso e sustentável. Esse será o tema do Fórum Econômico Mundial, a ser realizado na próxima semana.
Traduzindo: o novo modelo para a estrutura das corporações empresariais diferencia-se do capitalismo de Estado e do capitalismo por ações. Parte da premissa de que uma empresa é constituída pelos seus acionistas, funcionários, fornecedores e clientes, e tem responsabilidades sociais e compromissos com a sustentabilidade.

O lucro dos acionistas, o foco apenas em resultados de curto prazo, deixa de ser o principal objetivo. Ele deve se compor a outros valores, como respeito aos direitos humanos, ao bem estar das pessoas e à natureza. Na nova genética econômica, a força do mercado deve estar a serviço de soluções para questões sociais e ambientais.

Como fronteira do que há de mais avançado no pensamento capitalista, Davos descortina uma nova utopia para um mundo que ficou órfão depois da hecatombe da utopia comunista.

Faz sentido. Não há no horizonte nada superior à sociedade capitalista e sua organização econômica. Assim, a utopia possível é dar uma face profundamente humana ao capitalismo, por meio de uma economia mais justa e sustentável.

A humanidade não está mais diante do dilema capitalismo ou socialismo, mas sim de definir que tipo de capitalismo queremos, como indaga o manifesto Davos-2020.

Terá de escolher entre um capitalismo de acionistas focado na maximização dos lucros – como o é na maioria das empresas do mundo ocidental -, um capitalismo de Estado, tipo o da China, ou a terceira via, na qual as empresas privadas se posicionam como curadoras da sociedade, segundo o fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab.

Para Marx, a superação da desigualdade se daria com o fim do capitalismo. Davos pensa diferente: a desigualdade não é intrínseca ao capitalismo ou à globalização. Ela é produto de escolhas políticas e econômicas. O mesmo raciocínio vale para a devastação ambiental.

Ora, se não é inerente ao modo de produção capitalista, outras escolhas políticas e econômicas podem gerar mais igualdade e garantir a preservação da natureza. Essa é a aposta do chamado capitalismo por partes interessadas.

Não estamos falando de idéias descoladas da realidade. Davos-2020 é impulsionada pelo efeito Greta Thunberg, pelos incêndios da Amazônia, da Califórnia e da Austrália. E também pelas convulsões sociais do Chile, França, Colômbia, Equador, Bolívia, entre outros. A questão climática e a da desigualdade econômico-social estão no topo da agenda contemporânea.

Houve também mudanças estruturais. O chão de fábrica de hoje nada tem a ver com o das primeiras revoluções industriais e de uma sociedade estruturada em classes. A classe operária, tida como redentora por Marx, hoje quer fazer a roda da história girar para trás. O capital também se modificou. Seu pólo dinâmico se deslocou para as empresas de tecnologia.

Sim, o mundo se move numa velocidade galopante. Quem imaginaria que a Business Roundtable – associação que reúne as maiores corporações dos Estados Unidos – um dia lançaria um manifesto, assinado por 181 CEOs, no qual afirma que a responsabilidade corporativa deve ser mais importante do que o lucro? Entre os signatários do manifesto estão gigantes como Apple, Amazon, Bayer, Coca-Cola, Dell, IBM e Novelis.

Ao contrário da utopia comunista, a utopia capitalista não promete o paraíso terrestre. Não prega a revolução. Prega a reforma do capitalismo para a humanidade alcançar novo patamar civilizatório.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 15/1/2020. 

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