A maior das crueldades do bolsonarismo

Da imensa quantidade de medidas insanas, idiotas, obscurantistas, reacionárias, anti-vida, tomadas pelo desgoverno Jair Bolsonaro nestes tristes, deprimentes, pavorosos 19 meses, creio que nenhuma consegue reunir tanta crueldade, tanta desumanidade, tanto ódio à vida, à luz, quanto a Portaria 2.282/20, assinada no final de agosto pelo general de brigada intendente Eduardo Pazuello.

O general é aquele que entende que os Estados do Nordeste ficam no Hemisfério Norte – mas, diante do que dispõe sua portaria, as noções de Geografia do sujeito parecem seus pontos fortes.

A Portaria 2.282/20 vai contra o Código Penal brasileiro, em vigência desde 1942, que estabelece:

“não se pune o aborto praticado por médico: (i) se não há outro meio de salvar a vida da gestante; e (ii) se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.

O editorial de O Estado de S. Paulo desta terça-feira, 8/9, realça maravilhosamente que a portaria é ilegal. Uma portaria não pode mudar os dispositivos de um Código Penal aprovado pelo Congresso.

Bem, se o general Pazuello não tem idéia de por onde passa a linha do Equador, não seria de esperar que ele soubesse o ranking de importância entre leis, códigos, portarias.

O governo Bolsonaro como um todo demonstra a cada momento não ter idéia de como funcionam as coisas numa democracia. O que também é compreensível: se o chefe não pára jamais de defender a ditadura que se abateu sobre o país durante horrendos 21 anos, se o maior ídolo do chefe, o coronel Brilhante Ulstra, é um torturador, se um ministro dele diz que tem prender os caras do Supremo Tribunal Federal, não se poderia mesmo esperar que o governo fosse chegado a um entendimento mínimo do que é democracia.

Com cuidado, exatidão, o editorial vai demostrando a absoluta ilegalidade da coisa monstruosa – para deixar claro que ela não é apenas ilegal, mas também absolutamente desumana.

A Portaria 2.282/20, como diz o editorial do Estado, transforma médicos em agentes de investigação criminal.

Transforma vítimas de crime bárbaro, absurdo, horrendo, em suspeitas, elas mesmas, de crime.

Em vez de tentar proteger as vítimas, ignora os criminosos e criminaliza quem sofreu a ação dos criminosos.

É uma absoluta, arrematada loucura.

Mas, de novo, não chega a ser inesperada.

Tudo o que este desgoverno faz é contra a vida. O desgoverno Bolsonaro é contra os índios, contra a floresta. É contra até mesmo a segurança das criancinhas, na sua luta contra a exigência de cadeiras seguras nos carros.

O desgoverno Bolsonaro é a favor das armas – revólveres, fuzis, pistolas, metralhadoras, o que for. É contra o controle de velocidade dos veículos nas estradas.

O desgoverno Bolsonaro é contra qualquer tipo de medida que avance, que vá adiante, que leve para mais longe do tempo das cavernas.

Muito ao contrário: tudo o que ele faz é tentar nos levar de volta para a Idade das Trevas. A pré-História.

Faz já uns 3 séculos que os países civilizados deixaram de ser ligados a alguma religião.

Teocracia é coisa de ditaduras bárbaras, horrendas, como as de alguns países árabes.

O desgoverno Bolsonaro age para que o Brasil seja tão medieval quanto o Irã dos aiatolás, a Arábia Saudita.

Basta ver o mapa. Só países atrasados proíbem o aborto. Só países atrasadérrimos proíbem o aborto em casos como estupro ou ameaça à vida da mãe.

O desgoverno Bolsonaro, de forma absolutamente ilegal, leva o Brasil ao que há de pior no mundo.

***

Portaria desumana

Editorial, O Estado de S.Paulo, 8/9/2020

Se o governo federal está insatisfeito com o que a lei brasileira dispõe sobre o aborto, o caminho é reunir apoio político no Congresso para mudar a legislação. Vigente desde 1942, o Código Penal estabelece que “não se pune o aborto praticado por médico: (i) se não há outro meio de salvar a vida da gestante; e (ii) se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.

Para manifestar oposição a essas disposições da lei penal, o governo de Jair Bolsonaro criou uma aberração jurídica. Assinada no final de agosto pelo general de brigada intendente Eduardo Pazuello, que ocupa interinamente o cargo de ministro da Saúde, a Portaria 2.282/20 obriga a que médicos e profissionais de saúde notifiquem a polícia a respeito dos casos de vítimas de estupro que desejam realizar aborto. “É obrigatória a notificação à autoridade policial pelo médico, demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro”, diz o art. 1.º da portaria.

Em primeiro lugar, a Portaria 2.282/20 é ilegal. Não cabe a ato administrativo inovar, criando obrigação sem amparo legal prévio. Como diz a Constituição, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5.º, II). Não pode, assim, o ministro da Saúde impor uma obrigação aos profissionais de saúde, por mais que o presidente da República – ou quem quer seja – o ordene. Ministro de Estado pode expedir instruções para a execução da lei, mas não pode criar obrigação legal.

Além de ilegal, a Portaria 2.282/20 perverte os papéis profissionais, transformando médicos em agentes de investigação criminal. “Os profissionais mencionados no caput deverão preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial, tais como fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime”, fixa a portaria.

O papel do Ministério da Saúde é cuidar da saúde da população. Não é inventar procedimentos para que os serviços de saúde atuem como braço policial do Estado. Se em tempos normais tal manipulação da área da saúde já seria desumana, o caso ganha contornos ainda mais dramáticos em meio a uma pandemia.

Mas a Portaria 2.282/20 tem um traço ainda mais nefasto. Tal como enuncia o general intendente Pazuello, o ato “dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)”. Ora, sendo esse o conteúdo, é evidente que as disposições da portaria afetam pessoas que são vítimas – mulheres grávidas em decorrência de um estupro. Elas não são criminosas. No entanto, e aqui está a maior aberração da portaria ministerial, as gestantes são tratadas como se estivessem afrontando a lei. Eis o completo disparate. O Código Penal não as pune, mas o Ministério da Saúde deseja encontrar um modo de dar-lhes algum castigo.

Em total descompasso com o que deve ser um atendimento médico, o general de brigada Pazuello impôs, por exemplo, que as gestantes e, em caso de vítimas menores de idade, seus representantes legais sejam advertidos sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica e de aborto “caso não tenha sido vítima do crime de estupro”. Hospital é para tratar da saúde. Sua finalidade não é atemorizar ou advertir sobre a lei penal, ainda mais quem se encontra em situação de clara vulnerabilidade.

O teor da Portaria 2.282/20 não deixa dúvidas. Seu objetivo não é regulamentar uma atividade médica. Sua finalidade é persecutória e intimidatória. Em vez de cuidar da saúde, o Ministério da Saúde ocupa-se, no meio de uma pandemia, de patrocinar política ideológica, à custa de gestantes vítimas de estupro, muitas delas menores de idade. Essa tática não é apenas ilegal. É desumana.

9/9/2020

Este post pertence à série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro”. 

A série não tem periodicidade fixa.

Ao acenar para caminhoneiros por 70 minutos, Bolsonaro demonstra à exaustão como é incapaz. (25)

Bolsonaro tem que ser responsabilizado por boa parte da tragédia dos 100 mio mortos. (24)

Jairzinho paz e amor é genocida igual ao de verdade, (23)

Se fosse um ser humano mais ou menos normal, não aguentaria enfrentar tantas críticas. (22)

4 Comentários para “A maior das crueldades do bolsonarismo”

  1. Felizmente que em Portugal o aborto a pedido da mulher e sem qualquer explicação é permitido desde 2007. Ao contrário do que os adversários da medida gritavam – que ia ser o fim do mundo com milhares de mulheres a abortar – a taxa de interrupções voluntárias da gravidez tem vindo a baixar regularmente.
    Vi na Wikipedia um mapa mundial do aborto e no hemisfério norte praticamente todos países legalizam-no; em África, Ásia e América do Sul pelo contrário.
    Há até países em que o aborto é totalmente proibido, caso da Nicarágua.

  2. A propósito do aborto e da sua legalização lembrei-me do seguinte:
    Em 1982 foi debatida essa questão na Assembleia da República.
    A certa altura o deputado Morgado do CDS (direita) afirmou:
    “o acto sexual é para fazer filhos”.
    Em reposta a poeta Natália Correia escreveu e leu para gargalha geral o seguinte:
    Já que o coito – diz Morgado –
    tem como fim cristalino,
    preciso e imaculado
    fazer menina ou menino;
    e cada vez que o varão
    sexual petisco manduca,
    temos na procriação
    prova de que houve truca-truca.
    Sendo pai só de um rebento,
    lógica é a conclusão
    de que o viril instrumento
    só usou – parca ração! –
    uma vez. E se a função
    faz o órgão – diz o ditado –
    consumada essa excepção,
    ficou capado o Morgado.

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