Das duas, uma: ou o presidente Jair Bolsonaro não sabe o que diz, ou então não sabe falar, não sabe se expressar. Simples assim. Simples – e triste, tristíssimo, para o país.
Assim que ele fala alguma coisa, naquela voz e sintaxe toscas, ou assim que escreve alguma coisa no Twitter, naquele texto destrambelhado, de quem não estudou direito, ou não entendeu o que foi ensinado, de quem não domina a lógica nem o idioma, correm várias vozes a tentar explicar o que ele quis dizer. Interpretar o que ele quis dizer. A rigor, retificar o que ele quis dizer.
Bem, não foi isso que ele quis dizer. Vocês entenderam erradamente. A imprensa deturpou o que ele disse.
Não há deturpação possível de uma frase escrita ou gravada.
O presidente Jair Bolsonaro disse o seguinte:
“E isso, democracia e liberdade, só existem quando a sua respectiva força armada assim o quer;”
Essa foi a frase que ele falou. Não tem jeito de dizer que foram outras palavras. Foram essas exatas palavras que ele falou: está gravado, qualquer pessoa pode ouvir a gravação.
A frase inteira foi a seguinte:
“(Essa missão) será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação de países que têm uma ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia e a liberdade. E isso, democracia e liberdade, só existem quando a sua respectiva Força Armada assim o quer.”
“Democracia e liberdade só existem quando a sua respectiva Força Armada assim o quer.”
É sem dúvida uma sintaxe esquisita, tortuosa, de quem não domina nem a lógica nem o idioma. “Sua respectiva Força Armada”? Sua, de quem, cara pálida? Da democracia, da liberdade? A democracia tem sua Força Armada, e a liberdade tem a dela?
Como é que é? Teria a democracia um Exército, e a liberdade uma Marinha?
Essa última frase foi só uma brincadeira. Voltemos ao que importa.
O presidente da República afirmou o seguinte:
“Democracia e liberdade só existem quando a sua respectiva Força Armada assim o quer.”
Não pode haver diferentes interpretações da frase ruim, mal construída. A frase é ruim, é mal construída, mas ela quer dizer o seguinte:
“Democracia e liberdade só existem quando a sua respectiva Força Armada assim o quer.”
***
Aí vem correndo o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, explicar que não foi bem isso que o presidente Jair Bolsonaro disse.
O general Augusto Heleno é um dos melhores quadros das Forças Armadas brasileiras. É uma das cabeças pensantes do governo.
O general Augusto Heleno explicou:
– “É claro que não. Isso não tem nada de polêmico, ao contrário. Suas palavras foram ditas de improviso, para uma tropa qualificada, e foram colocadas exatamente para aqueles que amam a sua pátria, aqueles que vivem diariamente o problema da manutenção da democracia e da liberdade, e exortando para que continuem a fazer o papel que vêm fazendo, de serem os guardiões da democracia e da liberdade.”
Ué – a explicação do general Augusto Heleno, uma das cabeças pensantes do governo, um dos melhores quadros das Forças Armadas, é tão ruim quanto a frase do capitão – se não for pior.
O “discurso” – se é que pode chamar assim – de Jair Bolsonaro foi pronunciado ao Corpo de Fuzileiros Navais.
Então, segundo o general Augusto Heleno, os fuzileiros navais são uma tropa qualificada, amam sua pátria – como se os civis não amassem a pátria – e “vivem diariamente o problema da manutenção da democracia e da liberdade”.
Como é que é?
Os fuzileiros navais – e, por extensão, todos os membros das três Forças Armadas – “vivem diariamente o problema da manutenção da democracia e da liberdade”?
Se os militares não vivessem diariamente o problema da manutenção da democracia e da liberdade, estaríamos vivendo numa ditadura?
Não é o povo brasileiro que garante a democracia? Não são as instituições – o Congresso Nacional, por pior que seja, o Judiciário, por pior que seja, a imprensa, por pior que seja? Não é o conjunto da sociedade brasileira que garante e mantém a democracia? Não é a Constituição, a ordem constitucional, à qual os militares têm que jurar obediência?
São os milicos que garantem e mantêm a democracia e a liberdade?
E essa é a explicação do general Augusto Heleno, uma das cabeças pensantes do governo, um dos melhores quadros das Forças Armadas, para a frase do seu superior, o capitão?
Diacho. Se for assim, estamos bem mais lascados do que os mais pessimistas poderiam imaginar.
***
A verdade dos fatos é que ou o presidente Jair Bolsonaro não sabe o que diz, ou então não sabe falar, não sabe se expressar. Porque a cada vez que ele diz alguma coisa correm várias vozes a tentar explicar o que ele quis dizer. Interpretar o que ele quis dizer. A rigor, retificar o que ele quis dizer.
Às vezes – como na frase sobre a democracia e a liberdade serem dádivas das Forças Armadas, tão boazinhas que elas são, ao país – os intérpretes até pioram um pouco as coisas. Como se fosse possível piorar o que o país está vivendo.
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Quanto ao tuíte idiota-pornográfico, o estrago foi tão gigantesco que, para tentar explicar, interpretar, a rigor retificar o que o presidente da República escreveu, foi necessário que o Palácio do Planalto distribuísse uma nota oficial, por escrito, e que ainda houvesse uma espécie de entrevista coletiva de um trio de militares que ora dão expediente no Palácio do Planalto.
Nem a nota oficial, nem a live com os três patetas, perdão, as três importantes figuras da República – o capitão presidente, o general porta-voz, Otávio Rêgo Barros, e o general Augusto Heleno – conseguiram me responder à pergunta básica, simples, fundamental:
Por que o presidente Jair Messias Bolsonaro, com os seus dedinhos que os vermes hão de comer um dia, teclou a pergunta: – “O que é golden shower?”
Bolsonaro já havia se exposto ao país como aquilo que é: um sujeito grosseiro, rude, bronco, machista, misantropo, reacionário, neanderthal, defensor de ditadores e torturadores – e, num terreno mais específico mas não menos importante, um defensor de todo tipo de corporativismo, de interesse de um grupo em detrimento do interesse geral da nação.
A antítese do presidente “liberal” que ele tenta se mostrar hoje.
Ao perguntar no Twitter “O que é golden shower?”, no entanto, o sujeito explicitou, com todas as letras, com todas as impressões digitais, que é um estúpido, idiota, um imbecil.
Não me venham bolsonaristas convictos dizer que foi uma belíssima sacada, uma jogada inteligente, um golpe de mestre do capitão para se aproximar ainda mais da sua torcida xiita, fanática.
Ao demonstrar ao planeta Terra que não é capaz sequer de dar um google, Bolsonaro se revelou inteiro.
Nós elegemos um sujeito que não é capaz de dar um google!
Ou que, na melhor das hipóteses, acha que fingir que não é capaz de dar um google o deixa muito bem na foto – o que é tão idiota, imbecil, estúpido, quanto não saber dar um google.
8 e 9/3/2019
Como eu acho – veja bem Sergio Vaz – desconfio… – que não foi ele quem postou aquela pérola e muito menos a pergunta idiota, o fato dele não saber googlar é o de menos. O pior foi a posição em que ele deixou o Brasil, humilhado, difamado, arrebentado. No mundo civilizado, passamos a ser os cafajestes da hora.