O presidente ficou nu

Pouco importa se o presidente Jair Bolsonaro desistiu de ir a Nova York receber o título de “Pessoa do Ano” conferido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Brazilcham). Na verdade, a honraria pode ficar bonita no peito do capitão, como ficou nos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton, mas nada significa para o país.

Tem, sim, simbologia, e serve como parâmetro para ver como cidadãos do mundo e mais especificamente dos Estados Unidos, país modelo para a primeira família, enxergam o governante brasileiro.

A série de polêmicas envolvendo a homenagem – repúdio explícito do prefeito de Nova York, Bill de Blasio, recusa do Museu de História Natural em sediar o tradicional jantar de gala para os agraciados, desistência de patrocinadores como Financial Times e Delta Airlines – feriram Bolsonaro com o seu próprio ferro, a ideologização, e no campo no qual ele se considera um craque imbatível: as redes sociais.

Pregador da ideologia acima de tudo – pelo que vem mostrando até mesmo acima do Deus de sua campanha -, Bolsonaro não teve qualquer escrúpulo em usar a “ideologização da atividade” como desculpa para se ausentar do evento que acontece no próximo dia 14, no Hotel Marriott de Nova York, onde, diariamente, já se concentram manifestantes. Diga-se, convocados pelas redes.

O ambiente digital também abrigou um abaixo-assinado contra a presença do presidente brasileiro, que cresceu como rastilho de pólvora. No Facebook e no Twitter, pessoas começaram a dizer que passariam a desprezar produtos de empresas que apoiassem o evento. Com nome parecido e medo de ser confundida, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham), estampou em seu site informação de que nada tem a ver com a encrenca.

Gente da própria Brazilcham passou a questionar se tal desgaste tinha alguma valia.

No site dos organizadores, o evento não tem mais lugar de destaque, os nomes dos patrocinadores sumiram. Nas redes, uma nota oficial do Planalto tenta fazer frente a uma enxurrada de reproduções originárias dos Estados Unidos com depoimentos em áudio e vídeo do presidente, nos quais ele elogia gente inelogiável e distribui xingamentos.

O que era para ser uma festa, com direito a gestos de simpatia e rasgação de seda a um presidente em que o capital apostou e que anda deixando o mesmo capital aflito, escancarou para fora dos limites nacionais traços de um perfil conhecido por aqui, mas até então de pouca importância para além das fronteiras.

Com mais de 4 milhões de seguidores no Twitter, quase 9,5 milhões no Facebook, 11,6 milhões no Instagram, Jair Messias Bolsonaro é um sucesso arrebatador nas redes sociais. Canais que, de acordo com sua crença equivocada, foram os responsáveis por sua vitória, e continuam sendo o principal eixo de sua comunicação, embora só dialoguem com os mesmos fiéis.

Competentíssimos nessas teias durante a campanha, Bolsonaro e seus ativos rebentos não têm idéia de como enfrentar o universo global da web que dissemina ao mundo o perfil histórico do presidente, sua postura obscurantista, sua intolerância e desprezo por qualquer tipo de diversidade, sua cegueira diante do meio ambiente, sua incapacidade de entender o que são os direitos humanos.

Ainda que sejam depositárias de notícias falsas e de agressões sem fim, as redes que Bolsonaro e os seus tanto endeusam não se sujeitam a imposições. Por mais que isso perturbe os combatentes do “marxismo cultural”, elas são globais. E a partir delas o presidente ficou nu.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 5/5/2019. 

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