O presidente do dissenso

Chama a atenção a infinita capacidade de Jair Bolsonaro em criar conflitos desnecessários. O mais estridente deles, com o presidente da Câmara Rodrigo Maia, sem o qual é quimera pensar na aprovação da Reforma da Previdência. Não é apenas com Maia que o presidente da República está em pé de guerra, é com todo o mundo real da política, que ele, de forma messiânica, acredita poder varrer do mapa.

As consequências da negação da política como a arte de construir consensos saltam a olhos vistos. Há pouco mais de um mês os ventos sopravam favoráveis ao governo.  Os recém eleitos presidentes da Câmara e do Senado tinham disposição de ajudar o presidente, o DEM poderia desempenhar o mesmo fator de governabilidade que o PMDB jogou em gestões passadas, e os novos projetos de Reforma da Previdência e contra o crime causaram boa impressão no Congresso e na sociedade. O mercado apostava no sucesso dessa empreitada.

Não por obra da natureza, mas por erros do próprio governo, os ventos mudaram de direção. Carente de uma articulação política minimamente digna do nome, o governo cometeu erros primários ao abrir várias frentes de luta no próprio Congresso. O mais grosseiro deles foi o de propor uma reestruturação amena da carreira dos militares juntamente com uma reforma da Previdência que exige sacrifícios de toda a sociedade.

Mais: o presidente quer tirar a castanha do fogo com a mão dos parlamentares ao terceirizar a responsabilidade sobre a aprovação da reforma. Como no Congresso o mais ingênuo tira a meia sem tirar o sapato, não tem votos para aprová-la. É uma situação sui generis: amplamente vitorioso nas urnas não conseguiu, em três meses, organizar sua base de sustentação.

Mudou o humor das ruas, como atestou a pesquisa Ibope, mudou o humor do mercado. O capital político de Bolsonaro vai se estiolando por ter dobrado a aposta na estratégia da demonização da política e da priorização da agenda ideológica. Essa estratégia lhe rendeu votos, mas é insuficiente para governar em uma democracia onde o Congresso é forte.

A aposta no emparedamento do Poder Legislativo pela “pressão das massas” só gerou novos conflitos, até porque auxiliares seus, como o ministro Sérgio Moro, também sentem-se encorajados para peitar Rodrigo Maia. O presidente não constrói consenso nem mesmo no interior do bolsonarismo, palco da guerra intestina entre pragmáticos e ideológicos. O necessário chega pra lá do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, em Olavo de Carvalho não deixa de ser mais um capítulo de uma disputa autofágica.

Como o presidente comunga dos mesmos pontos de vista da autoproclamada ala anti-establishment do bolsonarismo, a tendência é o aprofundamento do isolamento do governo e de nova perda da popularidade presidencial.

O mercado já captou que a reforma da Previdência começa a subir no telhado. Como o clima azedou, o ministro Paulo Guedes cancelou sua participação na reunião da CCJ da Câmara, na qual defenderia a proposta de reforma do governo. O ministro corria o risco de falar para as moscas porque líderes partidários articulavam um boicote à reunião.

Cada vez mais seus olhos voltam-se para os militares, na esperança de que ponham um freio no voluntarismo messiânico de Jair Bolsonaro. As estrelas do general Hamilton Mourão, sem nenhum trocadilho, vão ofuscando as de Jair Bolsonaro, com o PIB prestigiando um jantar com o vice-presidente.

Não é um quadro consolidado, mas Maia já fala em “blindar a reforma da Previdência”, tal a inapetência do governo para viabilizá-la por meio da desobstrução da política.

O presidente insiste em ignorar uma lição elementar: em política, cisca-se para dentro.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 27/3/2019. 

 

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