O Foro de Bolsonaro

Sob medida para o deputado e aspirante a embaixador dos Estados Unidos Eduardo Bolsonaro, com a participação do pai presidente, ministros de Estado e da nata da direita norte-americana, vem aí a Cpac-Brasil, anunciada como o “maior evento conservador do mundo” – megalomania só equiparável ao “nunca antes neste país” adotado pelo ex Lula.

Com polo ideológico invertido, a conferência dos próximos dias 11 e 12 lembra o Foro de São Paulo, tão demonizado pela trupe bolsonarista. Um de esquerda, outro de direita, um multilateral, outro bilateral, um que já foi forte e desfaleceu, outro enchendo-se de músculos. Ambos usando a mesma receita de sovar forte o lado oposto para tentar fazer crescer o seu bolo.

A Cpac-Brasil é o braço tupiniquim da Conservative Political Action Conference, realizada anualmente em Washington desde 1973 pela American Conservative Union (ACU), a mais antiga organização não-governamental conservadora das terras do Tio Sam, fundada em 1964. Sim, trata-se de uma ONG, tipo de entidade que quando não opera em seu favor o presidente Jair Bolsonaro repudia.

Reunir o pensamento conservador, aprofundar ideias e debate-las é essencial à democracia, e nisso a iniciativa acerta. Mas, por aqui, o que seria uma saudável experiência aparece como um encontro feroz dos donos da verdade “contra o terror do comunismo”. Dos que enxergam o Brasil como um país em que “as principais esferas socioculturais se mostram dominadas pela esquerda”.

É literalmente assim, com a faca entre os dentes, que a Cpac-Brasil se apresenta em seu site oficial.

Muito diferente do que ocorre nos Estados Unidos, onde a ACU, embora tenha identidade absoluta com os republicanos, respeita e trabalha junto aos democratas. São lobistas de causas conservadoras, como liberalismo econômico, direito à posse e porte de armas e limitações à imigração. Mas, mesmo no belicoso governo Trump, os líderes da ACU, que têm o ex-presidente Ronald Reagan como símbolo maior, não espicaçam opositores, nem digladiam com inimigos fantasiosos. Muito menos com uma ameaça inexistente de comunismo, praticamente extinto desde a última década do século passado.

A menos de uma semana da versão tropical da Cpac, pouco se sabe do temário do encontro. O site e o Twitter criados para divulgar o evento destacam os nomes dos conferencistas – entre eles Matt Schlapp, presidente da ACU e da empresa de lobby Cove Strategies, e sua mulher, Mercedes, assessora da Casa Branca -, mas não traz nem mesmo o título das palestras. Também não confirma o misterioso anúncio feito pelo Zero Três, que pretendeu antecipar a presença do polêmico Steve Bannon, um dos articuladores da campanha de Donald Trump, hoje desafeto do presidente que ajudou a eleger.

Mesmo com conteúdo genérico, que se limita a informar que a Cpac dos Estados Unidos trará “toda a sua expertise em defesa da liberdade e de valores familiares”, como se um ou outro estivessem sob ameaça no Brasil, “celebrando a nova aliança política dos dois países neste novo tempo”, o evento promete. Deve reunir quase duas mil pessoas, empatando e até superando os grandes momentos do Foro São Paulo.

Reduzido a pó poucos anos depois de seu auge, o Foro de São Paulo hoje quase só é lembrado nas falas de Bolsonaro, que, sem manter o inimigo comunista vivo, não tem contra quem lutar e, consequentemente, perde a narrativa eleitoral.

Bolsonaro e os seus cometem o mesmo erro de Lula e do PT. Um pela direita, outro pela esquerda se acham predestinados a salvar o país, sentem-se donos do povo e da verdade. Com isso imputam graves danos aos ideários conservador e progressista, tão essenciais à democracia e ao desenvolvimento das sociedades.

Até porque a verdade não tem lado e o povo não é propriedade de ninguém.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 6/10/2019. 

2 Comentários para “O Foro de Bolsonaro”

  1. Mary, muito bem escrito, didático, esclarecedor – excelente o seu artigo. Textos dessa qualidade estão em falta nos jornais. Não falta articulista mastigando e regurgitando os mesmos temas, com as mesmas óbvias conclusões. Está difícil…

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