Que os anjos nos livrem do desânimo

Desânimo. Desalento. Desesperança.

Não nos livramos ainda da crise econômica em que os governos lulo-petistas enfiaram o país; apesar de todo o bom trabalho da equipe econômica do governo Temer, todos os números ainda são horrorosos, apavorantes – a começar do mais importante deles, o que mostra que há  mais de 12 milhões de desempregados.

Mas depois do tsunami Dilma veio o gigantesco meteorito Bolsonaro, e agora estamos muito pior do que apenas afundados numa crise econômica que parece sem fim. Estamos afundados no desânimo, no desalento, na desesperança.

Quantas vezes temos ouvido dos amigos que estão desanimados?

Dias atrás um caro amigo me mandou mensagens contando que o sobrinho por quem tem especial afeto, garoto que anda aí com uns 5 anos, se mudou para Portugal com os pais e a irmãzinha menor:

“Eu estou meio deprê. Não suporto a idéia de viver num país governado por um bando de nazifascistas. De tanto ver manifestações de extrema-direita na internet, às vezes me pergunto onde é o balcão para renunciar à cidadania brasileira. Estou muito envergonhado. Tenho até deixado de ir ao apartamento no Nordeste porque não quero conversar com um grande amigo que fiz lá. Ele virou um radical de direita, fundamentalista religioso e admirador cego de Bolsonaro. É muita decepção, depois de tantos anos achando que o PT era o fundo do poço. Agora sei que não vou viver o suficiente para ver o Brasil pelo menos ensaiar uma melhora, uma saída da merda.”

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A mensagem do meu amigo chegou pouco depois que li no Estadão de 26 de setembro a coluna de João Domingos com o título “A agonia da esperança”. Comentei isso com o amigo – e pedi licença para usar o que ele havia escrito, num texto que gostaria de fazer sobre a desesperança que cai sobre nós nesta imensa Quarta-feira de Cinzas.

“O País vive um misto de desesperança e desespero”, escreveu João Domingos. “Desesperança por ver suas autoridades confessando intenções como as de Rodrigo Janot, por ver que as promessas feitas pelos governantes quase nunca são cumpridas, por não ver algo em que possa se agarrar para buscar um fio de esperança na vida. Desespero pelo desemprego que ainda atinge mais de 12,6 milhões de pessoas, pelo subemprego dos que pedalam de 12 a 14 horas por dia para entregar comida e receber menos de um salário mínimo, pelo gigantesco número de empresas quebradas e de vagas de emprego que se fecharam e que não têm perspectiva de reabertura.”

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Na sexta agora, 4/10, e neste domingo, 6/10, dois dos melhores pensadores de Brasil, duas das mentes mais abertas, mais brilhantes – e mais esperançosas, positivas, otimistas, believers do país vieram com textos que de alguma maneira mostram desalento.

“Há dias nos quais escrever é um prazer”, escreveu Fernando Henrique Cardoso em seu artigo publicado no Estadão e no Globo. “Nem sempre: hoje, por exemplo, este artigo me custou bastante. Por quê? Cansaço de uma noite mal dormida me fez sentir a velhice, o que em mim é raro. Mas há também motivos que nada têm que ver comigo. Dá certo desalento voltar aos temas que têm dominado o noticiário do cotidiano nacional: os enganos repetitivos (na verdade, as crenças) do governo atual; a morte absurda de crianças alvejadas à bala, as árvores que queimam na Amazônia e alhures, tanto por motivos cíclicos como pela devastação criminosa em busca de discutível lucro… E por aí vamos, de pequenas e grandes tragédias à estagnação das idéias.”

“Como se mover nesse labirinto?”, questionou Fernando Gabeira, no Estadão de sexta-feira.

Desde que participou da luta armada, foi exilado, passou bom tempo na gélida e à frente de quase tudo Estocolmo, refez a cabeça, mudou a forma com que via as ideologias, a política, Gabeira se manteve assim como uma espécie de Bastião da Esperança. Gabeira é um humanista à la Frank Capra, o diretor de cinema mais sonhadoramente crente na espécie humana que já existiu, o realizador que, durante os anos negros da Grande Depressão, soube destilar o veneno do otimismo e da solidariedade para centenas de milhares de pessoas enfiadas no desânimo, no desalento, na desesperança.

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Em A Felicidade Não Se Compra / It’s a Wonderful Life, uma de suas obras-primas, o filme que realizou ao voltar a Hollywood após ter trabalhado junto dos soldados e oficiais americanos durante a Segunda Guerra Mundial, Frank Capra mostrou a conversa de dois anjos – observada por Deus – a respeito de um ser humano que estava desesperadamente precisando de ajuda, um tal George Bailey, o papel de James Stewart. O anjo mais experiente, que identifiquei como sendo José, o pai, mostra o rosto dele para o noviço candidato a anjo, que está sendo encarregado de ir à Terra para ajudar o pobre coitado. O noviço pergunta: – “Ele está doente?”

A resposta de José, o pai, o anjo experiente, é Frank Capra puro: – “Pior. Ele está desencorajado.”

Quando os amigos se mostram deprê, quando um bom articulista como João Domingos diz que o país vive um misto de desesperança e desespero, quando Fernando Henrique Cardoso confessa que custou bastante para escrever um artigo, quando Fernando Gabeira termina um artigo transferindo para o leitor a dúvida difícil, doída – “Como se mover nesse labirinto?” –, é porque estamos muito pior do que num país doente.

A Quarta-feira de Cinzas em que o governo Bolsonaro enfiou o Brasil – com toda sua carga de ódio, de desrespeito à Ciência, à História, a cada dura conquista da humanidade ao longo de séculos pelos direitos mais básicos do ser humano – nos deixa desencorajados, desanimamos, desalentados, desesperançados.

É dureza para nós, que vivemos sob a ditadura militar, enfrentar uma Quarta-feira de Cinzas sobre o país pela segunda vez.

Mas é exatamente por isso, porque estamos afundados no desânimo, que, como escreveu em 1964 Carlos Lyra, mais que nunca é preciso cantar.

Mais que nunca é preciso reagir.

6/10/2019

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