O Caravelle sequestrado

A seção Há 50 Anos, publicada diariamente pela Folha, destoa do resto do jornal por suas fotos em preto-e-branco e fatos que passaram para a História, muitas vezes para o esquecimento. Imagine o susto de um veterano repórter ao correr os olhos pela seção e descobrir que cobriu os fatos ali relatados. Há meio século!

Um jato Caravelle, da Cruzeiro do Sul, foi sequestrado em 9 de outubro de 1969, quando voava de Belém para Manaus. Seis homens armados o levaram para Cuba. Os 42 passageiros fariam um tour forçado pela ilha de Fidel Castro.

A redação do Jornal da Tarde mobilizou-se. Se foram, em algum momento voltam. Mas para onde? Manaus ou Belém? Nenhum problema. O jornal despachou uma dupla de repórter e fotógrafo para Manaus, outra para Belém. Este que vos fala foi com o grande Rolando de Freitas para Manaus. E Percival de Souza, com outro não menos graduado mestre das lentes, Alfredo Rizzutti. Seguiram para Belém.

As informações, nas duas cidades, eram precárias. Angustiante espera. Até que veio a notícia. O Caravelle pousaria em Manaus. Tínhamos o dia, mas não a hora. Corremos para o Aeroporto de Ponta Pelada (que antecedeu o atual), mas… fomos barrados bem longe dele. O País estava sob a Junta Provisória que antecedeu o governo Médici.

Para nossa felicidade, os parentes dos sequestrados que foram para o aeroporto não puderam entrar. Refluíram, de volta para suas casas. Fizemos sinal, dois deles pararam os carros e nos passaram seus endereços. Mais tarde, os carros que conduziam os sequestrados passaram por nós em velocidade, tipo sai da frente que a gente atropela. Tanto fazia… Fomos aos endereços dados e pudemos entrevistar e fotografar os recém-chegados tranquilamente.

Antes da chegada do Caravelle, Rolando teve que mirar a teleobjetiva para uma estreita faixa livre entre morros, por onde o avião, na final de pouso, se mostraria por alguns segundos. Vacilou, perdeu a foto. Rolando não vacilou. Pegou o bicho de jeito, o aviãozão contra o céu luminoso.

Percival e Rizzutti? Se alguém achar que tiveram sorte, fizeram um belo passeio e voltaram para casa, estará por fora. Um repórter, de texto ou de foto, quer fazer o seu trabalho, entrar em campo para jogar.

Outubro de 2019

Um comentário para “O Caravelle sequestrado”

  1. Valdir, bela narrativa, como sempre.
    Quando puder, e se quiser, lembre-se daquele “friozão” de 1975, quando você e o Solano José desembarcaram em Campo Grande, ainda Mato Grosso. Lembra-se?

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