As palavras são implacáveis

“As ações são a primeira das tragédias humanas, sendo as palavras a segunda. As palavras talvez sejam as piores. Elas são implacáveis…” (Oscar Wilde)

O brilhante escritor irlandês sabia bem do que falava. Perseguido e condenado acerbamente por suas ações, legou para o futuro as palavras que o deixariam figurar entre os maiores autores de seu tempo.

Sabia pensar e sabia escrever. E sabia quais palavras usar e quando. Exatamente o contrário do que acontece em nosso país nos dias de hoje.

No quintal dos Bolsonaros & Cia Ltda, as palavras são usadas sem nenhuma correspondência com seu significado.

Vejam o que tweetou o ministro da Educação a respeito da prisão do sargento da FAB que transportava 39 kg de cocaína no avião presidencial: “Tranquilizo os “guerreiros” do PT e de seus acepipes o responsável pelos 39 kg de cocaína: NADA tem a ver com o Governo Bolsonaro. Ele irá para a cadeia e ninguém de nosso lado defenderá o criminoso. Vocês continuam com a exclusividade de serem amigos de traficantes como as FARC”.

O crime cometido pelo sargento entrará para as calendas da História muito antes da aceitação, pela sociedade brasileira, da nomeação bolsonarista de um ministro para a pasta da Educação que não sabe o que quer dizer ‘acepipes’ e que usa seu cargo para julgar e condenar a seu bel prazer quem lhe dá na telha (fraquinha).

Ele ignora o peso das palavras.

Assim como o general Augusto Heleno que etiqueta como “falta de sorte” a maleta do sargento ter sido examinada no aeroporto em Sevilha. Falta de sorte? Ou falta de fiscalização eficiente no aeroporto militar de Brasília?

Da mesma forma que o capitão Bolsonaro assegura que o sargento e seus 39 kg de cocaína só foram apreendidos porque viajavam com ele, autoridade máxima do país! E não parou por aí. Disse que o militar se deu mal porque com ele vai ser assim: “creu, sifu, se deu mal”. Se não fosse o azar do rapaz a aduana sevilhana não o pegaria? Foi isso que ele quis dizer?

Jair Bolsonaro é o típico dono de quintal que arma a churrasqueira e senta com os companheiros para o papinho dominical sem compromisso com a realidade. Ali o objetivo é relaxar e se divertir. Ao saber que Angela Merkel se disse preocupada com as ações de seu governo, declarando que via “com grande preocupação a questão da atuação do novo presidente brasileiro”, disse: “Os alemães têm a aprender muito conosco. O presidente do Brasil que está aqui não é como alguns anteriores que vieram para serem advertidos por outros países. Não, a situação aqui é de respeito para com o Brasil. Não aceitaremos tratamento como no passado de alguns casos de chefes de Estado que estiveram aqui”.

Tantas seriam as boas respostas que o capitão poderia dar se conhecesse a história da Alemanha, se lesse pelo menos um livro por ano, se estudasse um pouco mais. Mas não. Ficou nessa resposta que não dignifica o Brasil, só nos desmerece.

Se ao menos isso ficasse só entre nós… Quem dera…

Mas a Internet está aí para isso mesmo e o mundo inteiro conheceu o que disse Angela Merkel e o que respondeu o capitão. Assim como conheceu a ‘falta de sorte’ do militar que viajava no avião presidencial.

Viver na era digital, como disse Fernando Gabeira, é muito perigoso.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 28/6/2018. 

Um comentário para “As palavras são implacáveis”

  1. Ora, Maria Helena, a frase do ilustrado ministro da Inducassão não deixa de ter uma certa lógica “kaftiana”.

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