Marina e Amber, Rubble, Chase, Rainbow Dash, Fluttershy…

A camiseta era nova, tinha uma grande roda-gigante. Falei: – “Nossa, Marina, não conhecia essa camiseta, ela é linda, tem a roda-gigante que parece aquela… a Eye, de Londres…”

Não consegui me lembrar do nome, só lembrei da palavra Eye.

Ela: – “London Eye”.

Eu: – “Claro, a London Eye.”

Ela (com cara de quem não concordou com minha pronúncia): – “London Eye!”

Aos 5 anos e quase 2 meses, 50 anos depois que tirei meu Lower Certificate de Cambridge na Cultura, Marina corrige minha pronúncia.

Oh, My God from Heaven and Earth!

(Diacho! Não sei como passar para o Inglês meu bordão “Meu Deus do Céu e também da Terra”. Junto de céu e terra, em Português usam-se os artigos definidos, em inglês, não. Como seria: My God from Heaven and also the Earth? Esquésito. Acho que Marina está certa: o avô deveria melhorar o inglês…)

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A mãe dela, que, diferentemente de mim, de fato estudou Inglês em Cambridge, durante algumas semanas, aproveitando-se de uma época em que eu ganhava um salário alto na Agência Estado, fica encantada como a filha parece ter jeito com a pronúncia naquela língua que nós dois admiramos.

Também fico encantado – e um tanto aparvalhado.

Marina pronuncia o nome dos personagens dos desenhos de um jeito que de fato é fora de jeito. O “Amber” dela (Amber, claro, é a irmã chata da Princesa Sofia, aquela criatura simpática) é uma maravilha. Não é Êmber, com o ê fechado, como diriam americanos de diversas localidades, nem Âmber, com o a aberto bem à inglesa – é Amber com o a perfeito, no meio caminho entre o a aberto e ê fechado. E o r final é um esplêndido r do inglês, sem tirar nem por. Ninguém do Sul de Minas diria melhor aquele r.

Já me corrigiu diversas vezes, quando às vezes falo um Amber com o a aberto demais, tendência minha por admiração do inglês britânico.

Quando vê Patrulha Canina, é um acinte. Dá-lhe Rubble, Ryder, Chase, Skye, Tracker. Mesma coisa com My Little Pony: a pronúncia dela de Rainbow Dash e Fluttershy é espantosa. Dá de 10 a 0 no avô – e olha que o avô conquistou a admiração de Mr. Hélcio no segundo ano do ginásio no Colégio de Aplicação da Fafich de Belo Horizonte.

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Adora falar em uma língua só dela – e aí não tem muito a ver com o Inglês. É uma mistura de russo com alguma coisa da África Central.

Tem botado ultimamente nomes quase impronunciáveis para os amiguinhos. Inventou há pouco dois amigos imaginários, pai e filha, com nomes que ainda não consegui decorar, talvez devido à aproximação inexorável do alemão – e aí, claro, não estou falando de uma língua. Mas o problema não é só meu: questionadas, nem a avó e nem mesmo a mãe souberam me dizer os nomes criados pela pequena para esses novos amigos, tão estranhos que são.

Um nome, no entanto, todos – pai, mãe, avô, avó – sabemos. É o nome do Amigo Imaginário mais querido, o namorado. Chama-se Érolti. (Sempre achei que vem de Harold mispelled e mispronounced, mas posso estar errado, é claro, porque ela é muito mais safa do que eu.) Érolti, a quem minha filha chama de genro, é ao mesmo tempo imaginário e real: a alma dele se incarnou no maior bicho de pelúcia de todos, um ursão simpático demais da conta.

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Algumas semanas atrás encontrei um camelô no centro da cidade vendendo um brinquedinho chinês – um carrinho a pilha que anda sobre uma estrada formada pelo conjunto de pecinhas de plástico montáveis que nem Lego. Comprei os dois que o moço tinha – e Marina se apaixonou pela coisa. No primeiro dia em que brincamos com aquilo, definiu que um carrinho era dela, o outro meu. Pusemos um pequeno adesivo em cada identificando o dela com um M, o meu com um S. Ao carrinho dela, deu o nome de Raysobah.

Grafei conforme o som do nome que ela inventou. Não é um R de Raimundo, Renato – é de Ray, exatamente como de raio de sol na voz de Julie Andrews, como de Ray Charles. O fonema final, achei que seria bem expresso com um bah – e a palavra é, sem dúvida alguma, uma proparoxítona: Rááaaaysobah.

Hoje foi a terceira vez que brincamos com os carrinhos – a terceira vez que ela veio dormir aqui em casa desde que ganhou o presente. É claro que se lembrava do nome do meu carrinho, o frugal, básico, simples Fusquetinha. Quanto ao Raysobah, referiu-se a ele mais como Raysobye. Rêisobaie. Rêisobai.

Não tenho certeza se ela alterou o final do nome, ou se eu não havia compreendido bem das outras vezes.

Mas, a partir de agora, grafo como Raysobye.

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No meio da brincadeira, começou a chamar meu Fusquetinha de Fusqueta. Só depois perguntou se podia usar esse apelido. Eu disse que sim, naturalmente. Poderia também, é claro, ser chamado de Fus, seguindo a norma paulistana de reduzir qualquer nome à sua primeira sílaba.

Olhou para mim com aquela carinha linda de quando está pensando, raciocinando sobre a informação que o outro deu – e em seguida abriu um sorriso e disse que concordava. Ela é chamada de Má, a mãe dela de Fê, o pai de Cá, Inês a vida inteira me chamou e chama de Sé, e a Débora chama a avó dela de Mê. Paulistanices.

Marina é uma paulistana da gema que pronuncia palavras inglesas como nova-iorquinas ou londrinenses. Fala da torre da Chrysler e da London Eye como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Aprendeu com a Cau a brincar de dizer love you pra xuxu.

Mas, para a avó, fala em castíssima última flor do Lácio, inculta e bela: – “Vovó, eu te amo!”

Marina tem jeito para o inglês, cria nomes difíceis, mas expressa o que sente com palavras claras, simples – as melhores que há para as pessoas se expressarem.

12/5/2018

Este textinho, de que afinal gostei bastante, dedico à mãe da minha filha – com imensa gratidão e a certeza de que a mãe de Marina teve a melhor mãe que poderia existir. Um beijo, Suely querida. 

Um comentário para “Marina e Amber, Rubble, Chase, Rainbow Dash, Fluttershy…”

  1. Artigo para chorar… E chorei potes…

    Marina querida, dá um beijo na tua mãe por mim.

    Outro para você da Maria Helena

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