Rearranjar a História de acordo com suas conveniências é pratica que une extremistas, sejam eles de direita ou esquerda. Quando contrariados pelos fatos, viram bichos e se defendem de modo idêntico: usam os fins para justificar os meios, ainda que os métodos incluam torturar e matar. Com aval ou a mando do Estado.
Nesse particular, nada difere os que fecham os olhos diante dos assassinatos em série promovidos por Josef Stalin em nome da Revolução Russa dos neomilitaristas tupiniquins, que se negam a enxergar os crimes da ditadura autorizados pelo generalato nacional.
A descoberta do memorando da CIA, de 1974, dando conta de que o ex-presidente Ernesto Geisel, até então tido como general light, teria autorizado a continuidade da política de extermínio de inimigos do golpe, expôs mais coincidências dessa fé sinistra entre os fundamentalistas dos dois lados.
Para setores da esquerda – os mesmos que aplaudem ditaduras como as de Nicolás Maduro ou dos irmãos Castro — só a existência do documento seria suficiente para anular o pacto da anistia, perdão “amplo, geral e irrestrito” firmado nos estertores do regime. Um exagero.
O que agora vem à tona não é de todo novo. Sabia-se das torturas e dos assassinatos cometidos pelo Estado brasileiro. Tinham-se pistas sobre o envolvimento direto das fardas estreladas. Ainda que extremamente importante, limita-se à confirmação dos crimes e da violência da ditadura, mesmo no período em que a História a considerou mais branda.
Na outra ponta, os papéis da CIA foram tratados como publicação “fantasiosa”, como se os generais-ditadores fossem santos. Merecedores de altares que têm sido reerguidos por má-fé de alguns e ignorância de muitos.
Estimulados pelo deputado candidato Jair Bolsonaro (PSL), para quem as execuções de presos políticos foram como “tapa no bumbum do filho’ – que até causam arrependimento, “mas acontece”-, as redes sociais foram invadidas por agressões sem pé nem cabeça do tipo “comunista bom é comunista morto”.
A guerra contra comunistas é tão falsa quanto nota de três reais, tão imaginária quanto o “inimigo” que os militares inventam para treinar tropas. Simplesmente não existe. Até porque o próprio comunismo não mais se segura em pé. Nem mesmo na fechadíssima Coreia do Norte, que, possivelmente pressionada pela escassez de alimentos para uma população faminta, começa a se abrir, nada lenta e gradualmente, ao “inimigo” capitalista.
Os registros da CIA desmistificam a História dos últimos generais da ditadura nacional, e, embora não tenham o condão de mexer com convertidos de um lado ou de outro, poderiam funcionar como um grito de alerta.
Não existe ditadura boa, nenhuma delas faz o bem. De direita ou esquerda, ditaduras foram, são e serão sempre pavorosas. Só ideologias e caracteres cegos não vêem.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 13/5/2018.