Crônica da eleição do horror (7)

Dia 7 – Domingo, 14 de outubro

Que tal asfaltar logo a Amazônia?

E o general Oswaldo Ferreira, hein? Para ele, árvore boa é árvore derrubada. E ele é o homem que deverá ser ministro dos Transportes no governo Bolsonaro, caso o capitão seja mesmo eleito no segundo turno, conforme indicam as pesquisas.

Reportagem de André Borges no Estadão da quinta-feira, 11/10, mostra que “o plano de governo de Bolsonaro já deixou clara sua intenção de fundir a estrutura do Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura. Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), que hoje cuida das unidades de conservação do País, seriam unidos em um mesmo órgão”.

Entrevistado por André Borges, o general – responsável pelos planos nas áreas de infra-estrutura e meio ambiente – confirmou que o setor deverá ser totalmente reestruturado, para eliminar “atrasos” e separar “o que pode e o que não poder ser feito”.

E lembrou-se, com evidente nostalgia, da época em que participou da construção da BR-163, entre o Mato Grosso e o Pará, para comentar como vê a questão do licenciamento ambiental no País.

“Eu fui tenente feliz na vida. Quando eu construí estrada, não tinha nem Ministério Público nem o Ibama. A primeira árvore que nós derrubamos (na abertura da BR-163), eu estava ali… derrubei todas as árvores que tinha à frente, sem ninguém encher o saco. Hoje, o cara, para derrubar uma árvore, vem um punhado de gente para encher o saco.”

É preciso reconhecer: o pessoal de Jair Bolsonaro não tem papas na língua. Dizem os maiores absurdos, as maiores agressões ao bom senso, sem medo de serem criticados, sem meias palavras.

“Derrubei todas as árvores que tinha à frente, sem ninguém encher o saco.”

Meu Deus do céu e também da terra!

O outro lá, o candidato a vice na chapa, general Hamilton Mourão,  diz que os brasileiros herdaram do negro a malandragem dos negros e a indolência dos índios. “Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem. Nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano.”

Se a eleição fosse para escolher o grupo que mais fala asneiras e absurdos sem papas na língua, eu votaria em Bolsonaro.

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A fala do general Oswaldo Ferreira saiu no Estadão da quinta-feira, repito, e eu não a havia incluído nestas Crônicas aqui, sobre a eleição e como os grandes jornais têm tratado os principais assuntos relacionados a ela. Mas a fala não poderia ficar de fora, e então aí está. Antes tarde do que nunca.

No sábado, 13/10, a coluna de Miriam Leitão em O Globo foi exatamente sobre o meio-ambiente e o bolsonarismo. Ela se refere, é claro, ao General Moto-Serra,  o General Árvore Boa é Árvore Derrubada. Mas aborda com seriedade o tema, que é uma das questões cruciais com que o país tem que se defrontar. A jornalista lembra que no ano passado, só na Amazônia e no Cerrado foram derrubadas 14 milhões de árvores; foram 6.947 km2 de floresta desmatada na Amazônia e 7.408 km2 no Cerrado.

(A íntegra do artigo vai mais abaixo.)

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O que dá pra chorar

A situação é trágica demais, mas sem algum humor não há sentido ou saída, e aqui vão mais duas pérolas sobre estas páginas infelizes da nossa História:

“Bolsonaro faz bem em não ir a debate. Quem conversa com poste é bêbado.”

“O novo PT do Haddad é uma espécie de Tim Maia: não bebe, não cheira, não fuma. Só tem um defeito: mente muito.”

Esta pérola é do jornalista Beto Stefanelli, no Facebook. A primeira também esteve no Facebook. A autoria é desconhecida.

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O que, afinal, é menos pior?

  Dureza. Uma dureza danada, essa questão de avaliar o que é menos pior para governar o Brasil a partir de 1º de janeiro, se o lulo-petismo, se o bolsonarismo.

No seu artigo deste domingo, 14/10, em O Globo, Míriam Leitão cravou que o PT é menos pior. Eis seus argumentos:

“Os riscos à democracia não são equivalentes nos dois cenários eleitorais. São maiores com Bolsonaro. O PT cometeu os erros que — os que seguem esta coluna sabem — jamais deixei de criticar, mas o partido de fato fortaleceu a Polícia Federal, escolheu o primeiro da lista para o Ministério Público, nomeou ministros do Supremo que em sua maioria tiveram e têm posições de independência. Aprovou a Lei da Delação, da Ficha Limpa e do Acesso à Informação. O partido acabou vendo seus dirigentes denunciados pelo MP e condenados pela Justiça. Em vez de fazer autocrítica pelo vasto esquema de corrupção no qual se envolveu, o PT preferiu dizer que o julgamento não foi justo e que é perseguido por procuradores e por juízes. Também não reconheceu os erros que cometeu na economia e que levaram o país à recessão e ao desemprego.

“Jair Bolsonaro, porém, fez, de forma sistemática, na sua carreira política, a apologia do regime ditatorial, exaltando inclusive os seus piores crimes como a tortura e a morte de adversários políticos. Isso é incontestável. Há palavras demais dele confirmando essa visão. Durante esta campanha, vinculou sua candidatura às Forças Armadas e elas nada fizeram para desfazer essa vinculação e deixar claro que, como instituição, não têm candidato. Pelo menos não deveriam ter, mas o silêncio é bem eloquente. Para piorar, seu candidato a vice, general Hamilton Mourão, lembrou da possibilidade do autogolpe, ato em que um presidente se sentindo ameaçado aumenta os próprios poderes. Bolsonaro desautorizou o general.”

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Para o PT, é simples: quem não vota no PT é fascista

A coisa está cada vez mais pavorosa nas redes sociais. A escalada de insanidade, de agressões, é impressionante, chocante. Não se usam argumentos: usam-se xingamentos.

Todas as pessoas que ousam fazer críticas ao lulo-petismo – mesmo que deixem claro que não são eleitoras de Bolsonaro – levam pedrada, paulada, porrada.

Bolívar Lamounier foi brilhante em seu artigo deste domingo no Estadão:

“Derrotado no primeiro turno, o PT e seus adeptos nos meios cultos da sociedade retomaram (sans le savoir…) a velha mutreta ideológica do stalinismo: quem não é comunista é fascista. Como se não existissem liberais e como se a maioria de qualquer sociedade se orientasse por conceitos ideológicos notoriamente limitados a estratos minoritários de nível intelectual elevado.”

E ele conclui o artigo, que tem o título de “Um roteiro para a concórdia”, assim:

“Os petistas precisam deixar para o lixo da História sua velha imagem do partido que teria ‘fundado’ a democracia brasileira, ou que a tenha praticado segundo os melhores padrões. Isso é uma mentira sem tamanho. Desde seus primórdios, o PT nunca adotou plenamente a democracia representativa como um valor inegociável. Sempre manteve um pezinho dentro e outro fora da ordem democrática, valendo-se daquele que taticamente lhe pareceu conveniente em cada momento. Quem melhor o disse, e isso foi poucos dias atrás, foi José Dirceu, reeditando seu velho mote do projeto petista de poder. ‘Nosso objetivo’, declarou, ‘não é apenas ganhar a eleição, mas tomar o poder, coisa muito diferente.’”

“Cresçam e apareçam”, diz FHC aos petistas

Grande FHC!

Xingado como o diabo em pessoal ao longo de décadas pelo PT, Fernando Henrique Cardoso passou a ser bajulado por lideranças do partido assim que foram contados os votos do segundo turno. O ex-governador e ex-ministro Jaques Wagner, recém-eleito senador, fez inéditos elogios a FHC e seu governo.

“A construção do país é tijolo por tijolo, ninguém faz nada sozinho”, disse o baiano a Bernardo Mello Franco, de O Globo, que, na quarta-feira, 10/10, deu a manchete “Jaques Wagner negocia frente com FH, Ciro e Marina. “O Fernando deu uma bela contribuição ao Brasil. Nós aprendemos a responsabilidade fiscal com ele. É uma coincidência negativa da História que, em vez de ficarem juntos, PT e PSDB tenham polarizado um com o outro. Foram as melhores forças que surgiram no período democrático.”

Não venham com coação moral para cima de mim, respondeu FHC.

Em entrevista a Pedro Venceslau, publicada no Estadão deste domingo, 14/10, o ex-presidente disse que não aceita “coação moral” dos que agora buscam seu apoio:

“Quando você vê o que foi dito a respeito do meu governo, nada é bom. Tudo que fizeram é bom. Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda. Agora o PT cobra… diz que tem de (apoiar Haddad). Por que tem de apoiar automaticamente? Quando automaticamente o PT apoiou alguém? Só na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha. Agora é o momento de coação moral… Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo”.

Repito: grande FHC!

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Problema fiscal? O que é isso?

Na mesma página 2 do Estadão deste domingo, Rolf Kuntz diz, em seu excelente artigo:

“O petista Fernando Haddad mal admite a existência de um problema fiscal. Ao contrário: tem falado em eliminar o teto de gastos, em discutir a reforma da Previdência com o funcionalismo e em gastar mais para animar a economia. De onde virá o dinheiro? Como recursos dificilmente caem do céu, o caminho será um maior endividamento. Empresários poderão até aplaudir o impulso inicial, mas um desarranjo maior será inevitável, até porque os amigos da corte cobrarão incentivos fiscais e financeiros e proteção comercial.

“O Haddad do segundo turno permanece incapaz de apresentar propostas econômicas claras e compatíveis com a experiência acumulada no Brasil e no exterior. Parou de falar em constituinte especial e de propor censura aos meios de comunicação (a tal regulação da mídia) e controle social dos Poderes (algo acima da democracia representativa). Mas continua representando, no essencial, o velho papel. Deixando de ir a Curitiba e reduzindo o uso da cor vermelha, ele apenas cumpre ordens de Lula – como sempre. O discurso pode ter mudado. Lula, o verdadeiro candidato, certamente é o mesmo.”

Se a eleição fosse para escolher o grupo que não trará surpresas na área econômica, porque já mostrou muito bem como trabalha, com Dilma Rousseff e a recessão em que ela enfiou o país, eu votaria em Haddad.

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O meio ambiente e o bolsonarismo

Miriam Leitão, O Globo, 13/10/2018

O alerta não vem de um ambientalista, mas de um dirigente de instituição financeira internacional, com quem conversei. O que o preocupa, num cenário de vitória de Jair Bolsonaro, é o absoluto desprezo pela questão ambiental e climática. Na visão dele, é obvio que a competitividade e a capacidade de financiamento do agronegócio serão maiores quanto mais pacificada for a relação com o meio ambiente. Um general da campanha de Bolsonaro reclamou que no Brasil não se pode derrubar “uma árvore sem que alguém venha encher o saco”. No ano passado, só na Amazônia e no Cerrado foram derrubadas 14 milhões de árvores.

O raciocínio do banqueiro é assim: se o produtor do Cerrado, por exemplo, quer ter água para produzir, precisará cumprir rigorosamente os limites das áreas de preservação em suas terras. Se cumprir esses limites, ele poderá ser financiado por capital externo que não aceitaria, a esta altura, emprestar para desmatadores. Esse financiamento pode ser feito a juros baixos, sem depender do subsídio estatal.

O mais lógico seria, segundo o banqueiro, que o diálogo que começava a existir entre o agronegócio e o ambientalismo fosse estimulado. Mas, na eventualidade de um governo Jair Bolsonaro, ficará mais difícil. A bancada do agronegócio que aderiu ao candidato busca respaldo para suas posições mais extremadas. E ele já disse que submeterá o assunto ao Ministério da Agricultura, acabando com a pasta do Meio Ambiente.

O general Oswaldo Ferreira, que está tocando os planos do candidato para a área de infraestrutura e de meio ambiente, lembrou ao Estado de S. Paulo os anos 1970, quando ele era um tenente “feliz da vida” trabalhando na BR-163. “Derrubei todas as árvores que tinha à frente, sem ninguém encher o saco. Hoje, o cara, para derrubar uma árvore, vem um punhado de gente encher o saco”.

A verdade é o contrário do que acredita o general. O Brasil derruba muita árvore, esse é o problema. No ano passado, foram 6.947 km2 de floresta desmatada na Amazônia e 7.408 km2 no Cerrado. Isso significa que o Brasil derrubou nos dois biomas algo como 14 milhões de árvores, só em 2017, segundo Tasso Azevedo, do Observatório do Clima. “E os dados de 2018 podem ser 30% maiores, como mostram as pesquisas do Imazon.”

O Brasil tem que cumprir objetivos internacionais de desmatamento líquido zero em 2023. Mesmo que o país, num governo Bolsonaro, saia do Acordo de Paris, os grandes bancos internacionais e multilaterais continuarão tendo que seguir regras de não financiar produtores vistos como desmatadores. Países podem escolher líderes que negam o problema ambiental e climático. Aconteceu nos Estados Unidos. Mas a despeito das crenças de Donald Trump, as empresas americanas continuam fazendo a transição para uma economia de baixo carbono, na agricultura, na indústria automobilística e até no setor de petróleo. É inexorável a mudança para um novo padrão sustentável, mas o estrago de curto prazo pode ser muito ruim se o país escolher voltar a visões de mundo totalmente desatualizadas. “No meu tempo”, diz o general, “não tinha MP e Ibama para encher o saco”.

O Ministério Público continuará em qualquer governo com sua independência, incomodando qualquer que seja o governo. Nesta campanha, Ciro Gomes disse que queria pôr o MP na caixinha, o ex-ministro José Dirceu disse que é preciso tirar dele o poder de investigação, e esse general da campanha de Bolsonaro sonha com a volta ao tempo em que ele não limitava o poder militar no seu ataque ao meio ambiente. Mas um governo com essa visão pode fazer um grande estrago na estrutura dos órgãos de controle do executivo, como o Ibama, Inpe, ICMBio.

O governo Dilma, como escrevi neste espaço várias vezes, passou por cima do Ibama e reduziu áreas de preservação. O governo Temer diminuiu o tamanho da preciosa Floresta de Jamanxin no Pará. Um governo com posições radicais pode ser bem pior. Enfrentará resistência, contudo, principalmente das instituições científicas independentes que produzem dados para qualificar o debate brasileiro. Além disso, o Brasil poderá perder bons negócios. Meio ambiente há muito tempo deixou de ser questão ideológica. A tentativa de volta no tempo será um tiro no pé. E quem me disse isso, repito, foi um banqueiro. (Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

14/10/2018

Dia 6 – Os candidatos não apresentam suas propostas para a economia.

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