Perguntei para a moça da caixa do Pão de Açúcar ali perto de casa como ela fez pra chegar ao trabalho. Respondeu que tinha vindo de carro. Comentei que o ônibus do bairro, que tem ponto final a meia quadra da minha casa e passa em frente ao supermercado, não estava trabalhando. A moça então definiu com brilho o que houve no dia de hoje:
– “No fim, pararam só os mesmos de sempre: ônibus, metrô e trem.”
O povo sabe das coisas.
(Na foto acima, de Fabio Motta/Estadão, manifestantes ligados à CUT fazem piquete impedindo as pessoas de entrar na estação das barcas de Niterói para o Rio de Janeiro.)
Minimizar as manifestações que ocorreram hoje em todos os Estados, em todas as capitais, como fez o ministro da Justiça, Oscar Serraglio, em entrevista que foi mostrada no Jornal Nacional da Globo e no Jornal das 10 da Globonews, dizer que foi algo insignificante, é sandice, loucura.
Não foi insignifante de forma alguma. Mexeu, e muito, com a vida de milhões e milhões e milhões de pessoas em todas as capitais e em diversas cidades do interior.
Mas dizer que a greve geral contra as reformas trabalhista e previdenciária foi um grande, um estrondoso sucesso, como fizeram os presidentes da CUT e da Força Sindical, também é um absurdo, um atentado contra a verdade dos fatos.
Não houve greve geral. Houve, como mostraram as imagens na TV e na internet, um amplo movimento de protesto, bem organizado, que, paralisando o transporte público e fechando rodovias e avenidas com piquetes e pneus queimados, impediu e atrapalhou a circulação das pessoas.
E de fato foi uma manifestação de protesto muito bem preparada, como bem sintetizou Merval Pereira no Jornal das 10, em que a mesma tática se repetiu pelo país inteiro, de Porto Alegre a Rio Branco.
Uma gigantesca manifestação de protesto, bem preparada, bem organizada pelas diversas centrais sindicais, que souberam se unir em torno do objetivo comum.
Agora, greve geral, com adesão em massa de trabalhadores de diversas classes e categorias, isso não houve.
Foram apenas – como resumiu maravilhosamente a moça da caixa do supermercado – os suspeitos de sempre: motoristas, cobradores e metroviários. Mais funcionalismo público, bancários do Banco do Brasil e da Caixa, que a rigor também são funcionários públicos. Professores das redes públicas, e também – aí foi uma novidade – professores de escolas particulares.
É, a adesão de muitas escolas particulares foi a grande novidade deste 28 de abril. Mas isso não é greve, é locaute, outra coisa completamente diferente.
E essa novidade, essa coisa de as escolas fecharem na véspera de um fim de semana prolongado – como escrevi ainda ontem, poucas horas antes de os piquetes começarem a agir país afora – acabou criando uma imensa rejeição ao movimento entre a classe média, demonstrada amplamente nas redes sociais, que talvez tenha sido mais prejudicial à causa de PT-PCdoB-CUT-UNE-Força et caterva do que favorável.
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A rigor, a rigor, se o lulo-petismo fosse capaz de refletir e fazer autocrítica (coisa que ele definitivamente não é), poderia chegar à conclusão de que essa anunciada greve geral foi um grandessíssimo tiro no pé.
Como disseram João Borges e Merval Pereira no Jornal das 10, a visível, perceptível falta de adesão da população ao movimento – que afinal ficou restrito aos grupos organizados das centrais sindicais – deverá fazer com que diminua o medo que muito parlamentar tinham de apoiar os projetos de reforma das leis trabalhistas e da Previdência Social.
Óbvio. Ué, se são só as centrais sindicais e mais uns poucos grupos organizados (e privilegiados) que estão contra as reformas, por que os deputados e senadores dos partidos que formam a base aliada vão ficar do lado do PT e satélites e contra o governo?
Como sintetizou no Facebook, com brilho, uma jornalista que prefere não ter seu nome citado:
“Nunca em toda a minha vida vi um movimento antigreve tão organizado e combativo. De fato, o Brasil está partido em dois. Creio que com um lado bem mais forte. Esse espírito contra a greve geral conseguiu não apenas triunfar em muitas cidades, mas também aglutinar novamente uma turma que estava se dispersando e às vezes até brigando feio, para alegria da esquerda. Creio que a greve mortadela foi um tiro que saiu pela culatra. Consertou até o evidente racha da ala coxinha, hahaha. Vamos ver se dura a união. Que país divertido…”
Ou como disse meu amigo Luiz Carlos Toledo, comentando meu texto de ontem, em que eu falava da escalada da rivalidade Fla x Flu e expressava meu temor de que os ânimos exaltados pudessem levar a alguma tragédia durante as manifestações desta sexta-feira:
“Tá mais para Fla x Madureira, pela quantidade de gente que restou apoiando a quadrilha petista. Essa foi a mais diminuta greve gigante da história. Depois do assalto bilionário à Petrobrás e ao BNDES, depois da inflação descontrolada, dos 13 milhões de desempregados e 54 milhões de endividados que o PT provocou com sua bolha de consumo eleitoreira, quem ainda tem coragem de sair às ruas com a CUT? Essa turma que está aguardando na fila do Minha Cela Minha Vida não consegue mais enganar multidões.”
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Felizmente não houve tragédia – mortes, feridos. Ao contrário do que eu temia, e tenho certeza de muita gente boa também temia, não houve tragédia. Felizmente. Graças a Deus.
Houve, como é praxe acontecer nas manifestações do lulo-petismo, as lamentáveis cenas de vandalismo, depredação.
Em São Paulo, parte do grupo que se reuniu no Largo da Batata caminhou em direção à casa de Michel Temer para tentar… O quê? Apedrejar? Tomar? Invadir? Sei lá.
Meu amigo Carlos Marchi expressou uma conclusão brilhante no Facebook: jamais um grupo antipetista tentou invadir a casa de Lula ou de Dilma.
Visto tudo isso, me parece que a conclusão é assim:
Como greve geral, foi um fracasso.
Foi um protesto bem organizado que conseguiu tumultuar a vida de milhões de pessoas país afora. E certamente prejudicar um pouco mais a economia do país – como se não bastasse o que fizeram em 13 e cinco meses de governo.
Agora, o quebra-quebra que sempre acontece quando a petralhada vai às ruas, esse, sim, foi um sucesso.
28/4/2017
A foto acima é de Pablo Jacob/Agência O Globo: no início da noite, ônibus foram queimados no Centro do Rio de Janeiro.
Muito bom, Servaz. Parabéns. Só acrescentaria que os vândalos, black blocs, “sindicalistas”, esquerdistas, esquerdoides e esquerdopatas estão sendo cada vez mais desprezados (até mesmo odiados) pela imensa maioria dos brasileiros de todos os cantos e recantos. Um tiro pela culatra, um tiro no pé, um suicídio político… Enfim, a “greve geral” foi um imenso, gigantesco fracasso. E já imaginou o que teria acontecido se essa turma tivesse conseguido invadir, pela omissão da PM, a casa de Michel Temer? Por estar vazia a casa, ate que seria bom para mostrar até onde eles podem chegar. E o que ganhariam com isso, a não ser o desprezo ainda maior de nossa gente?
Prendam os suspeitos de sempre. Não precisa ser em Casablanca, pois sempre teremos Bangu.
A esperança retornou as ruas, de novo, menina.
Falou tudo, Sérgio!!Essa gente violenta se vende por qualquer coisa e jamais vai enxergar o insucesso. De qualquer forma, é inadmissivel a qualquer ato de irracionalidade e destruição como se vê nesses protestos. Fico revoltada com o esse ser que se diz humano! Afh
A última vez que o Brasil foi chacoalhado em direção libertária e emancipatória foi em Junho de 2013. Foi Junho que se mostrou uma sociedade infinitamente móvel.
É por isso que a cisão que realmente me importa no Brasil não é aquela que separa os que foram contra e os que foram a favor do impeachment. Essa cisão é muito pouco importante no frigir geral dos ovos.
A cisão que importa mesmo se dá entre aqueles que estão e aqueles que não estão dispostos a defender e honrar a memória e o legado de Junho.
Estou convicto que o caminho que quero trilhar é por aí.